28 de outubro de 2010

Anestesiado

No centro da cidade, paro diante da banca de jornal e, já acostumado, não me surpreendo mais com as capas dos diários sanguinários, entre linchamentos, psicopatas e incendiários. Seguindo meu caminho, cruzo com dois ou três mendigos, flagelados, mutilados e doentes, comendo lixo e desvirando gente, cena também recorrente, que não mais me surpreende.

Ao chegar ao calçadão, deparo-me então com uma rodinha de curiosos, extasiados, cobrindo-me a visão e obrigando-me a abrir espaço. Ao conseguir aproximar-me, deparo-me com um grupo menor, de uns cinco ou seis, todos agachados, a devorar um rapaz, bem moço, devia ter uns vinte e dois. De quando em quando, um ou outro, já saciado, dava o lugar a um dos que esperavam em pé, ali em volta, já com água na boca. Um pouco surpreso, mas sem fazer muito caso, perguntei a um sujeito ao meu lado, que havia acabado de dar a vez:

- O que foi que ele fez?

Após limpar o sangue do canto da boca com as costas da mãos, ele respondeu, calmamente, com toda a lucidez:

- Furando fila...

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