31 de dezembro de 2008

Últimas palavras

Em um último esforço, concentrando-se, fixou o olhar em cada um dos pares de olhos piedosos que o cercavam e que, um a um, se desviaram. Antes de tornar-se incomunicável, balbuciou:

- Eu não preciso das drogas. Elas é que precisam de mim... para expor ao mundo seus efeitos.

30 de dezembro de 2008

Enquadramento

Neste mundo de pessoas de visão
Bem informadas e moldadas

Amplia-se os horizontes
De polegada em polegada

29 de dezembro de 2008

Madalênico II

E tem gente que diz
Que tem pena das putas

Eu tenho pena é dos pobres putos
Que precisam de psicólogas
Esposas ou companheiras
E só as encontram nas ruas

A preço de ouro e prata
Ou, quem sabe
Dependendo do movimento
Um papo cortês e um anel de lata

28 de dezembro de 2008

Madalênico

Nos encontrávamos no mínimo duas vezes por semana

Ele, cidadão exemplar, ao final de cada encontro, dizendo-se encantado, me entregava uma lembrança que ele dizia não representar um décimo do que sentia por mim

Eu, como de praxe, aceitava o agrado, de bom grado, e partia para outro quarto, outro velho - ou garoto - babão e solitário

27 de dezembro de 2008

Louva-deus

Na aula de biologia, a professora explicou sobre o acasalamento muito peculiar de um inseto. Detalhou o processo no qual a fêmea devora a cabeça do macho ainda antes de copular e depois devora, aos poucos, o resto do corpo.

No final de semana seguinte, durante as horas que tinham para ficar juntos, em meio às frequentes reclamações do pai, ele perguntou:

- Papai, você acredita muito em Deus?

25 de dezembro de 2008

Decadente

Naquela noite, uma estrela cortou o céu a caminho da precária maternidade.

Horas depois, em entrevista aos jornais, o comandante garantiu que tratava-se de um esconderijo dos rebeldes.

19 de dezembro de 2008

Ao pé das letras

E aquele poeta, coração mole, apaixonava-se a cada instante, a cada página virada

Mesmo sabendo que se tratavam de amores platônicos, fazia de tudo para servir as suas musas. Submisso, vivia sempre aos seus rodapés

18 de dezembro de 2008

Flores sem cores

As borboletas costumavam disfarçar-se de flores para escapar dos pássaros

Na falta de flores, cercadas por asfalto e concreto, até as borboletas ficaram cinza

17 de dezembro de 2008

Somando

Neste mundo de tantas raças
Tantas classes
E tantas crenças

É preciso lutar pela igualdade
Para fazer a diferença

16 de dezembro de 2008

15 de dezembro de 2008

Revoada

Sempre nesta mesma época, no final de ano, com o fechamento das filiais, o dinheiro, que vem para cá se reproduzir, migra de volta para o norte carregando seus filhotes

E nunca mais volta

14 de dezembro de 2008

13 de dezembro de 2008

Medo

O garoto, inocente, adorava dar asas à imaginação.

O irmão mais velho, definitivamente culpado, acrescentava os olhos vermelhos, dentes afiados e garras.

12 de dezembro de 2008

Alice no País de Marlboro

Seguindo o Elefante Branco da publicidade, sempre apressado, por ter apenas 30 segundos para aparecer e sumir, Alice foi parar no País de Marlboro.

Chegando lá, Alice descobriu que o Chapeleirto Maluco e a Lebre de Março estavam tentando, sem sucesso, substituir o cigarro pelo café. Ansiosos, tomavam litros e mais litros, mal dormiam e, ainda assim, precisavam fumar.

Entre uma visita e outra, Alice acompanhou o drama da Lagarta, que trocou o cigarro pelo narguile, um vício por outro, e quase não dava conta de trocar as brasas e essências.

Com o tempo, Alice descobriu que a Rainha de Copas ficava estressada e descabelada, ordenava execuções a torto e a direito, enquanto não parasse para fumar um cigarrinho.

Quando Alice finalmente resolveu sair daquele lugar, descobriu que a porta havia encolhido e que ela, assim como os outros, não conseguiria escapar.

9 de dezembro de 2008

Inseguro

Quando se cruzavam, ele sempre saia correndo. Talvez por medo de, sem querer, revelar algum segredo.

Medroso, mesmo que não soubesse para onde ir, meu olhar sempre evitava o teu.

7 de dezembro de 2008

1 de dezembro de 2008

Cítrica literária

Literatura ácida
Sem esperança

Textos secos e sem respostas
Ou, ao menos, algumas perguntas

Explorando tragédias,
Indiferente

Escrevendo
Má e porca mente