30 de abril de 2007

A cadeira

Ali sentado. O cansaço bate. E nada acontece. E o cansaço bate mais forte. Bate no corpo, bate no rosto. Não há distração que faça o relógio correr. Ou ao menos andar. No momento, ele parece parado. Parado naquele momento. Todo o resto correndo. E ele parado.
Esperando.
Esparramou-se na cadeira. Como um sorvete que derrete-se na casquinha. Tomou a forma da cadeira. Inerte. Angústia, cansaço. Uma dor que não sabe ao certo se é no pescoço, na nuca, nas costas ou nos três.
Esperando.
Pegou mais um café. Já é o terceiro (é grátis mesmo). Sentou novamente, corrigiu a postura. Queimou a ponta da língua. Arqueou novamente a coluna, tomando a forma da cadeira. Subiu o olhar para o relógio. Aproximou o copo da boca e assoprou. Seguiu assoprando. O café esfriando.
Esperando.
Pensou que podia ter aproveitado melhor esse tempo. Umas horinhas poderiam fazer alguma diferença. Talvez pudesse ter adiantado aquele trabalho. Podia ter conversado com alguém interessante. Chegou à conclusão de que nada o impedia de conversar com alguém ali mesmo. Era o que pensava. Na prática percebeu que muita coisa o impedia de ter uma boa conversa. A pressa, o medo, a tendência a não falar nada interessante, a falta de intimidade, o distanciamento mínimo comum, o pensamento múltiplo comum, as idéias vagas, as vagas idéias, as idéias procurando vagas, sem espaço para estacionar em meio aos transtornos que ocupam as mentes. Desistiu após duas conversas sobre o clima, quatro sobre futebol, uma sobre violência e outras três sobre religião. Caminhou desoladamente, de volta para sua cadeira. Não que fosse sua, mas aquela onde ele estava antes, na qual devia ter sentado muita gente diferente. Tentou fazer um cálculo de quantas pessoas deviam passar ali por dia, dividir pelo número de cadeiras e talvez chegar a um número médio de pessoas por dia naquela cadeira. Podia fazer um livro só sobre aquela cadeira e os tantos personagens incomuns que passam por ali. Mas desistiu da idéia. Esparramou-se novamente na cadeira. E ficou ali.
Esperando.

18 de abril de 2007

Piada

Eu sou uma piada

Uns entendem, outros não entendem

Mas no final a maioria acaba rindo

E se eu me explicasse... perderia a graça

10 de abril de 2007

4 de abril de 2007

Mais perto do senhor

Ela vestiu sua melhor roupa, tirou do armário aquele perfume guardado para ocasiões especiais e ficou fazendo e desfazendo o cabelo até que ele ficasse impecável.

Saiu de casa meia hora antes do que de costume e caminhou pelas ruas vazias em direção à praça. As poucas almas vivas que encontrava estavam entre vivas e mortas, acordadas e desmaiadas, resquícios da noite anterior. Era assim toda manhã de domingo, especialmente na época da colheita do café, quando a população da cidade dobrava apenas com os trabalhadores temporários, nômades, a serviço de quem tivesse serviço a oferecer.

Como planejado, chegou a tempo de pegar o melhor lugar, na primeira fila, à margem do altar. Observou atentamente cada movimento do padre enquanto ele preparava-se para subir ao púlpito, estava esperando por este momento desde a semana anterior, mas não se arriscava a dirigir-lhe a palavra. Ela pensava que se ele ao menos a olhasse com atenção, ela nem precisaria falar nada.

Em pouco tempo começaram a chegar outros fiéis, alguns infiéis e outros que nem sabiam muito bem o que estavam fazendo ali. Entre todos, uma lhe chamou a atenção, ela nunca tinha visto aquela moça por ali. Não era muito bela fisicamente, tinha lá um ou outro detalhe a reparar, mas o que mais chamava a atenção era a roupa. Era uma roupa de sábado, parecia imprópria para a missa de domingo, uma saia alguns dedos acima do joelho e uma blusa de alça, com um leve decote, que deixava à mostra as linhas do pescoço adornadas com um belo par de colares, um em tons de madeira e o outro vermelho.

Logo ela deixou de reparar no pescoço e na moça dona do pescoço. Mas então quem reparou na moça foi o padre e, após reparar que ele havia reparado, ela voltou a reparar na moça. Analisou cada detalhe, cada leve defeito, cada pecado que ela havia de ter cometido. E reparava também no padre, nos seus olhares e seus sorrisos. Assemelhavam-se ao olhar e ao sorriso do último domingo, mas ela tinha certeza que se direcionavam ao quinto banco do lado esquerdo da igreja.

A situação foi lhe deixando ansiosa, não sabia como proceder diante de tal afronta. Ainda mais porque ela estava na primeira fileira, em meio a duas senhoras, no meio da cerimônia, em meio aos olhares e colares, pensando em um meio de cessar aqueles atos indecentes. Foi então que começaram uma oração e ela, sem outra opção, começou a rezar alto, mais fervorosamente do que qualquer pessoa já havia orado diante daquele altar. Por conta disso, os olhares de todos, inclusive os do padre, direcionaram-se a ela. Percebendo a situação, ela continuou, em alto e bom tom, a pronunciar todas as falas que cabiam aos que ficavam de frente para o altar, já sabia todas de memória.

Ao final da cerimônia, após cânticos entusiasmados e orações fervorosas, ela olhou para o padre e ele fez um gesto para que ela se aproximasse. Ela sentiu um frio na espinha, até o ar dentro dos seus pulmões sentiu-se intimidado e acabou ficando por ali mesmo enquanto ela caminhava em direção ao altar. Durante a breve caminhada, observou com um sorriso a moça dos colares retirando-se pela porta lateral.

Quando ela já estava perto o suficiente, ele disse:

— Já na minha segunda celebração não pude deixar de notar tua presença. Não há modo de não ficar admirado com tua devoção às orações e aos cânticos. Tens algum motivo especial a celebrar?

Ela deu mais um passo em direção a ele e respondeu:

— Tenho só um motivo, ficar mais perto do senhor.

3 de abril de 2007

Espera

A luz baixa, vinha pelos cantos, escorrendo, como se perdesse força ao se arrastar pelas paredes. Um casal, um grupo de amigos, um trio de amigas e ele sentado sozinho em uma mesa. Colocou o celular e a ficha de consumação em cima da mesa, lhe pareceu que o ambiente permitia estes pequenos descuidos.

Naquele momento iniciou-se uma espera, mas não daquelas esperas desesperadas e desesperadoras, que costumam estar acompanhadas de um trilha de suspense. Esta espera, especificamente, estava acompanhada por um jazz dos mais suaves. E ele pensou na espera, que era uma espera da qual já se sabia mais ou menos o que esperar, uma espera com o tempo a seu favor.

E antes que pudesse pensar no que dizia, como se não fosse ele que estivesse expressando, mas sim a idéia que houvesse escolhido a voz dele como meio para ir ao mundo, ele exclamou bem baixinho:

- Uma espera de esperança!