30 de abril de 2010

Remoção

Após as tragédias, iniciou-se a coleta seletiva, retirando os problemas da vista e despejando-os em algum aterro - distante e pouco sanitário

Quem reside em área de risco, diante deste cenário, nada mais é do que resíduo







ps: moradores de áreas de risco protestam contra a remoção

29 de abril de 2010

Promovido

Depois de anos de serviços prestados, destacando-se entre as equipes - cada vez menores e mais seletas, finalmente alcançou o topo

Mudou-se para o sétimo e último andar, sobre todos os outros, em sua própria e espaçosa solitária

28 de abril de 2010

Ariscos

Nascidos em cativeiro

interagem pouco
ou quase nada

arredios, sociopatas

por pura falta de prática

27 de abril de 2010

Madura

Após algum tempo
tornou-se redonda

e um pouco azeda

Mais tarde
também encheu-se de rugas

Entretanto
ainda restavam traços

da flor de maracujá

26 de abril de 2010

Imaturo

Diante daquela fruta apetitosa, balançava o corpo como árvore sem raiz, movimentado os braços tal qual galhos ao vento

Todo sem jeito, inseguro, apenas jogava verde

23 de abril de 2010

Imóvel

Quando os bandidos entraram atirando, só pensei em estrangular aquela arquiteta imbecil

Nesse maldito escritório clean, minimalista, não restou um móvel atrás do qual eu pudesse me esconder

22 de abril de 2010

Picada

De madrugada, rondávamos pela casa, apenas eu e as formigas, minhas pequenas companheiras. Desde que descobri a insônia, foi sempre assim. Além dos hábitos noturnos, dividíamos a mesma compulsão por açúcar e eu até costumava deixar alguns farelos para as pequenas, dividia meu prato com elas.

As coisas começaram a mudar em uma das corridas ao banheiro, enjôo pós-bebedeira. Ajoelhado em frente ao vaso, descobri que as pequenas filhas da puta entram até no cesto de lixo do banheiro. Repleto de curiosidade, ao abrir o cesto, deparei-me com uma cena que me fez contrair um pouco mais o abdômen e esvaziar de vez o estômago. Notei qual era o banquete das malditas: uma barata, daquelas voadoras, que havia entrado pela janela na noite anterior e acabou vitimada por um duro golpe de havaianas. A barata morta, gosmenta, estava coberta por dezenas - talvez até centenas, - de formigas, que a levavam, pouco a pouco, aos pedaços, para algum buraco entre os azulejos. Chocado, porém esgotado, escovei meus dentes e voltei para o quarto, antes que perdesse de vez o sono.

No dia seguinte, ainda com um pouco de enjôo, relembrei da cena marcante. Pensei no quanto as baratas são temidas e em quanto asco elas causam. Depois, pensei em quanto as formigas são vistas quase que como os mocinhos do mundo dos insetos, trabalhadoras, limpas e honestas. Lembro inclusive de alguma tia falando, quando havia alguma no copo de suco, que fazia bem para a vista comer formigas. As pequenas aberrações livravam-se, impunes, de todos os pequenos crimes, cometidos durante a madrugada, logo abaixo do nosso nariz.

Naquele mesmo dia, antes de mais nada, fui direto ao mercado. Comprei um protetor de escovas de dentes - ninguém sabe por onde andam aqueles demônios - e um mata insetos, dos bem venenosos. Sentindo-me enganado, comecei a preparar-me para a vingança.

21 de abril de 2010

Individual

Correm um grande risco os que colocam tudo de si em suas obras

Afinal, a mediocridade só tem algum valor quando é coletiva

19 de abril de 2010

Oxidação

Depois do primeiro tapa, a vida que começa, de ponta cabeça, lentamente esvai-se. Desde a primeira inalação de combustível, funcionamos como máquinas: eficientes e diligentes, correias e engrenagens sem freios, corroendo-se por dentro até a exaustão.

Ao final dessa jornada, hora da inevitável sorte, acabamos por perceber o que nos persegue desde aquele primeiro tapa: toda inspiração tem um pouco da vida e da morte

16 de abril de 2010

15 de abril de 2010

Dono da bola

Espalha pela mesa os conhecimentos adquiridos, a muito custo, nas faculdades particulares de filosofia e direito. Só ele fala, ecoando teorias ultrapassadas

Enquanto isso, os outros podem deliciar-se com a oportunidade de dividir o mesmo espaço e, vez ou outra, dar algum pitaco, contanto que não ousem tocar em seus brinquedos, caros e frágeis

13 de abril de 2010

12 de abril de 2010

Dádiva

- Ver uma borboleta é sinal de sorte.

- Sério? Eu não sabia disso.

- Hoje em dia, para achar uma dessas, no meio dessa cidade...

9 de abril de 2010

O medo bate à porta

Desde os tempos das cavernas, o desconhecido nos intimida

Nos tempos modernos, a paranóia coletiva ganha espaço, mal sabemos quem são nossos vizinhos

7 de abril de 2010

Investidor

Na alocação de recursos, sempre foi muito metódico, seguindo os manuais de Wall Street. Realizava as aplicações quando o cenário apresentava clara tendência de alta, visando a venda a curto prazo. Não podia correr muitos riscos porque o capital era extremamente restrito, mas também não podia dar-se ao luxo de perder oportunidades de complementar a renda.

Quando o céu começava a cobrir-se de nuvens, entrava na primeira lojinha de cacarecos chineses e saia de lá com quatro ou cinco sombrinhas debaixo do braço.

6 de abril de 2010

Pedigree

- O meu come qualquer porcaria da rua.

- O meu não, só come ração.

- E ele gosta?

- Gostar não gosta muito, mas depois que o pessoal da academia falou dessa mistura de farelos...

2 de abril de 2010

Sala de troféus

Atrás da mesa, uma cadeira imponente, daquelas que mostram quem é que manda

Nas paredes, um quadro de avaliação bimestral de desempenho e dois cartazes com frases motivacionais, a auto-ajuda dos escritórios

Nas gavetas, aquilo que ela guardava com mais orgulho, as rescisões dos funcionários cujas cabeças ela exigiu

1 de abril de 2010

Dúbia

A corda da poesia que me enforca

é a mesma que vibra em harmonia

ressoando pelo mundo meus anseios