30 de setembro de 2010

Golpe do esquecimento

O passado, obscuro

bate à porta do vizinho


Nós seguimos, indiferentes

como se não soubéssemos

que um dia teremos

de enfrentá-lo frente à frente

29 de setembro de 2010

Intolerância III

Os dedos finos da vítima apontaram para o suspeito, que ela havia reconhecido apesar do capuz. Seguraram-no enquanto discutiam:

Em relação à culpa, não tinham plena certeza. Todavia, ao discutir a pena, chegaram a um pleno acordo: deceparam-lhe a mão.







Fato: http://bit.ly/bjPbpf

28 de setembro de 2010

27 de setembro de 2010

24 de setembro de 2010

23 de setembro de 2010

22 de setembro de 2010

O barbeiro da rua do Catete

Apesar das dificuldades para manter-se na profissão - principalmente por conta da imagem criada pelos romances policiais, filmes de mafiosos e, também, em menor escala, pela criada no trânsito caótico da cidade - ele mantinha funcionando a pequena barbearia, herança do pai, uma das poucas que restava na zona sul, ali na rua do Catete. O pequeno negócio funcionava desde a década de trinta, quando era tocado pelo saudoso mestre Inácio, que tinha fama de ser muito habilidoso com a navalha - alguns, um tanto exagerados, diziam até que ele seria capaz de partir um pêlo em dois, bem no meio, mantendo as metades no mesmo poro.

Nas paredes descascadas daquela salinha dois por dois, entremeada por uma cadeira de couro, estofada, pendurava orgulhoso as fotografias dos clientes famosos. Por mais que a situação atual tornasse difícil até para imaginar os tempos áureos do local, por ali haviam passado, nos quase oitenta anos de existência, diversos atores, diplomatas, políticos e magnatas. As fotos eram um tanto parecidas, uma vez que quase todos os clientes tinham metade da cara coberta de espuma, mas, para cada foto, ele tinha uma história diferente: esse aqui, era amante da Carmem Miranda; o de cima, do bigodinho, era comunista; aquele ali ao lado, cada vez que vinha, revelava algum segredo de estado; esse ali, só pedia para aparar com a tesoura, deixava a barba crescer porque tinha medo da navalha.

Entre tantas histórias já decoradas, quase automáticas, uma, em especial, o fazia dar uma breve pausa, complementada por um suspiro, antes de continuar. Então, ele apontava para uma foto de um senhor rechonchudo, careca, de óculos, estampando um sorriso amigável, e contava: ele veio aqui na véspera, veio andando mesmo, pediu para que meu pai o deixasse apresentável. Meu pai até tremeu um pouco na hora, nunca havia tratado de um presidente - e eu nunca tinha visto ele tremer daquele jeito. Para quebrar o clima, ele fez uma piada com a tremedeira, dizendo que, daquele jeito, acabaria o matando. Depois, comentou um pouco sobre o bairro, perguntou sobre a vida dos que ali estavam e, antes de sair, cumprimentou todos os curiosos, até mesmo eu. Quando partiu, caminhando, parecia bem contente, acho até que assobiava. Ao saber da notícia pela manhã, ainda menino, fiquei chocado, não entendi o porquê daquela visita - afinal, ele já devia estar pensando no que acabou por fazer. Mas, depois, bem depois, eu acho que entendi: ele queria estar bonito, pelo menos apresentável, ao entrar para a História.

21 de setembro de 2010

20 de setembro de 2010

Destempero

Cansou-se daquela rotina insossa, levando uma vida um tanto intragável

Desgostado, decidiu experimentar alguns condimentos: suaves e relaxantes, picantes e aromáticos, ácidos e energéticos

Apesar das experiências, entre as inúmeras pitadas, nestas misturas desregradas, encontrou apenas dissabores. Já não sentia mais gosto por nada

17 de setembro de 2010

Precavida

Antes de sair, visando defender-se das possíveis investidas, preparou-se com o traje completo: calcinha bege e larga, meia-calça furada, calça jeans apertada e, por fim, o cinto, com o fecho bem complicado

No entanto, ao fim de uma hora, e duas taças de vinho tinto, parecia ter estado sempre por ali, vagando, desvestida

16 de setembro de 2010

15 de setembro de 2010

13 de setembro de 2010

Desenlace

Primeiro, tentei acelerar, mas o bandido era insistente e continuou ali, preso no meu para-brisa. Comecei a ziguezaguear pela avenida vazia, mas de nada adiantava, ele debatia-se, revirava o rosto, mas não se soltava. Sem qualquer remorso, fiz uma curva fechada, cantando pneus e, só então, o maldito desprendeu-se. Ainda o vi pelo retrovisor, rodopiando ao vento, antes de juntar-se ao resto do lixo eleitoral.

10 de setembro de 2010

9 de setembro de 2010

Obstáculo

Adélia adentrou a sala de reuniões imaginando que tratariam dos últimos detalhes para as comemorações do dia do escritor, afinal, um instituto daquele porte, com aquele invejável acervo, deveria organizar ao menos uma palestra, com convidados ilustres - e ela já tinha em mente as pessoas certas, os cronogramas, a decoração, tudo planejado, há anos. No entanto, ao reparar nos rostos entusiasmados dos que já estavam por ali, deduziu, do alto dos seus vinte e cinco anos de repartição, que não se tocaria em qualquer assunto culturalmente relevante - apesar de trabalhar em uma instituição cultural, poucos dos que a cercavam davam importância a algo além do salário que os permitia frequentar os caríssimos teatros da zona sul e os ainda mais caros cinemas de último andar de shopping. Um pouco preocupada, notou a presença de um rapaz engravatado, sentado na cadeira que costumava ser do senhor Garcia. Imaginou que o rapaz, novo no lugar, pudesse ter feito confusão na hora de sentar, mas, por já conhecer as danças das cadeiras que os políticos acabavam fazendo por ali nas trocas de comando, preferiu recorrer à atitude de sempre, manteve a aparente indiferença. Aos poucos, todos os funcionários foram chegando e, quando alguns já buscavam mais cadeiras nas salas ao lado, o rapaz disse que já havia trabalhado com o senhor Garcia quando começou na prefeitura, que o respeitava muito e, por fim, não querendo alongar mais o discurso apresentou-se como o novo chefe. Adélia examinou-o de cima abaixo - não devia ter nem trinta anos, um desses alunos de MBA: terno e gravata, notebook na mochila e um celular sempre ao alcance das mãos.
O Silas, puxa-saco oficial do instituto, pediu a palavra e deu as boas-vindas por todos. Já Amélia, esvazia-saco oficial, que colocava Adélia em algumas situações constrangedoras por ter um nome tão parecido, engraçou-se para cima do rapaz. Os outros funcionários mantinham uma posição moderada, felicitavam-no, mas sem demonstrar felicidade alguma, afinal, a morte do senhor Garcia, tão repentina, havia sido um choque para muitos deles. Adélia permanecia indiferente.
Após as apresentações e formalidades, o rapaz resolveu mostrar a que veio e, então, solicitou que todos se retirassem do recinto, com exceção a Adélia, com quem precisava conversar.
- Todos sabem que o senhor Garcia, que Deus o tenha, estava planejando uma reorganização das estruturas deste Instituto. Eu já fui informado de que, em algumas áreas, as discussões já estavam avançadas, e que, em outras, os projetos já estão em andamento. Você é responsável pela biblioteca, não é?
- Sim, sou eu.
- E o que tem a me dizer?
- Seja bem-vindo.
- Não, não. Obrigado! Mas quero saber sobre a reformulação da biblioteca. O que está sendo feito? Quais as sugestões? Os projetos? Não fui informado sobre nenhum avanço e, como você bem deve saber, a biblioteca é um dos setores essenciais deste instituto.
- Na verdade, a biblioteca não precisa de nenhuma mudança. Tudo funciona perfeitamente e ninguém fica sem atendimento. Eu sei exatamente onde está cada obra.
- Mas é exatamente esse o problema. Não podemos ficar dependendo dos seus serviços e da sua memória.
- Mas, alguém está reclamando? Não pode ser.
- Não, não é isso. Ninguém falou nada, eu acabo de chegar. Bom, de qualquer maneira, precisamos informatizar o sistema, para que qualquer pessoa, mesmo na sua ausência, possa encontrar-se em meio a tantos livros.
- Eu tenho minhas objeções...
- Não vamos nos precipitar em conflitos, eu não quero parecer um sujeito autoritário. Vamos combinar assim, você pensa em alguns itens que podem ser melhorados na biblioteca e me entrega um relatório na semana que vem. Que tal?
Adélia saiu da sala calada, fez apenas uma reverência com a cabeça, concordando com o chefe. Escorreu pelo corredor, desolada mais uma vez. Afinal, depois de colocarem tudo nas máquinas, quem precisaria de uma velha por ali, rondando os corredores, tentando lembrar-se de fileiras, colunas e sobrenomes de autores. Ela costumava ser a peça chave daquele lugar, todo mundo precisava dela, todos precisavam conversar, pedir alguma coisa e, volta e meia, acabava até recebendo algum agrado, flores no dia da bibliotecária e cestas de café da manhã no final do ano - todas utilizadas no ano seguinte para levar ovos de páscoa para as crianças do abrigo. Tinha uma posição privilegiada, regalias sazonais e, além de tudo, sentia-se menos só quando podia ajudar as pessoas a encontrar o que procuravam. Ao ver isso tudo sob ameaça, percebeu que, mais uma vez, não poderia permanecer indiferente.
Ao cair da noite, após o silêncio da biblioteca espalhar-se por todo o instituto, tal como havia feito na semana anterior, Adélia embrenhou-se pelos amplos jardins, dessa vez com o alvo certo, sem precisar procurar, dirigiu-se ao canto do muro logo atrás da estufa, um tanto abandonado pelo jardineiro, onde cresciam furtivamente três pés de mamona. Colheu dez daquelas bolinhas espinhosas e, quando já se dirigia ao portão de saída, acabou surpreendida pelo novo chefe, que aproveitava para conhecer melhor as instalações da estufa, uma vez que ele mesmo pretendia instalar uma em sua casa. Com o susto do encontro, Adélia deixou caírem ao chão sete das dez mamonas. O novo chefe abaixou-se para ajudar e disse:
- No escuro, vai ser difícil para encontrar, deixe que eu te ajude a procurar.
Com uma gota de suor frio prestes a escorrer pela nuca, ela tentou demovê-lo da boa intenção:
- Senhor Roberto, faça-me o favor, não precisa dar-se ao trabalho. São só algumas frutas, eu posso colher outras.
No entanto, ele já agachado, tateando a grama, estava disposto a colaborar, queria apagar qualquer má impressão que pudesse ter sido criada na primeira reunião:
- Não faz mal ajudar, até porque fui eu que acabei te assustando.
Tentando controlar a ansiedade, Adélia olhava tudo em volta, buscando palavras, buscando uma solução. Ele então levantou, subitamente:
- Ai, caralho!
- O que foi?
Aproximando-se da luminária pendurada à porta da estufa, ele continuou:
- Espetei meu dedo, não foi nada... Achei essa mamona aqui.
Adélia aproximou-se, com as três mamonas que lhe restaram nas mãos trêmulas, e disse:
- Seu Roberto, não precisa me ajudar não, vá tratar desse dedo.
Ao olhar para as mãos de Adélia, que instintivamente as recuou, ele perguntou:
- A senhora está colhendo mamona?
- É... Para fazer óleo.
- Podia ter me avisado, vou procurar com mais cuidado.
Ao terminar de falar, ele voltou-se novamente para o local onde estava agachado e retomou as buscas. Ela, tendendo ao desespero, voltou a olhar em volta, dessa vez procurando objetos e ações que pudessem resolver a situação. Agachado, tateando com mais calma o chão, ele puxou conversa:
- Não sabia que dava para fazer óleo com isso não. Só aquele biodiesel, mas aquele não deve dar para fazer em casa.
- Dá sim... Óleo de rícino.
Após virar-se de costas, ainda nas buscas:
- Mas isso é bom para quê?
- Congestão.
- Eu não sabia, não. Na verdade, a única coisa que eu sei, desde garoto, é que a semente disso é um veneno.
O silêncio que se seguiu só foi interrompido pelos grilos.

8 de setembro de 2010

Apreensão

Após o passeio e as compras, um tanto nervosa, por conta de mais um de seus descuidos, dirigiu-se à moça que estava dentro daquele cúbiculo, atrás da divisória de vidro: 
- Moça, olha só, eu estou com um pouco de pressa, mas não estou encontrando o papelzinho. 
- Desculpe-me senhora, mas sem o tíquete eu não posso fazer nada. 
- Mas, não tem como dar um jeito? 
- Não, senhora. O aviso aqui ao lado é bem claro. 
Ao lado da cabine da atendente, destacava-se uma placa branca com letras vermelhas: "Cuide bem do seu tíquete. As devoluções serão feitas somente mediante a apresentação do mesmo". 
- Mas o que eu devo fazer? Ir embora sem ele? 
- Sem o tíquete, ou algum documento para provar que é seu, vai ter que ir sem ele. 
- O documento ficou em casa! 
- E não tem ninguém para quem a senhora possa ligar, para vir aqui trazer? 
- Não! Eu sou solteira, não tem ninguém. E de jeito nenhum que eu vou deixá-lo aqui para ir buscar a papelada e depois voltar! 
- Então não tem jeito. 
- Mas, ele está ali do lado! Eu posso provar que é meu! 
- Eu já disse que não posso fazer nada. E, além disso, a senhora está segurando a fila.
Após olhar para trás e deparar-se com uma senhora consultando a hora em seu celular, voltou-se novamente para a atendente: 
- Segurando a fila... Você é que está segurando a fila porque não consegue resolver um simples problema! 
- Senhora, eu vou chamar a gerente. Você conversa com ela. 
- Exatamente o que eu ia pedir: chame a gerente! Alguém que possa fazer alguma coisa. Muito obrigada!
 Após o olhar sarcástico para cima, combinado com a leve mordida do lábio inferior, a atendente pegou o rádio sobre a mesa, convocou a gerente e começou a atender o próximo da fila. Ela, batendo o pé direito no chão, de braços cruzados, olhos bem abertos e soltando o ar pela boca, aguardou a chegada da gerente, que oficialmente, de acordo com a carteira de trabalho, era uma assistente administrativa. 
A assistente, empossada de ares de gerente, em seu terninho preto, com um rádio pendurado à cintura, as sobrancelhas bem levantadas ao centro e um bico que parecia exigir muito esforço para ser mantido, chegou tentando acalmar a cliente: 
- Desculpe-me pela demora, a senhora aceita um copo de água? Um café? 
- Eu só quero resolver esse problema. 
- Tudo bem. Então vamos direto ao que interessa. Qual é o problema aqui? 
- Eu estou com pressa, mas sem os documentos, e aquela funcionária diz que não pode fazer nada sem o tíquete. 
- Nós vamos resolver esse problema. Mas, a senhora há de convir que os procedimentos adotados são para garantir a sua própria segurança. 
- Sim, você está certa. Mas, o que você pode fazer? Eu preciso de uma solução. 
- Nós podemos conferir pelas câmeras de segurança, para confirmar que a senhora chegou com ele, só que esse processo leva cerca de cinquenta minutos. A outra opção é esperar que o shopping feche e sobre apenas o seu. Nesse caso, o problema é se tiver mais gente sem tíquete. Ou... 
A expressão da gerente ao não completar a frase a fez sentir um arrepio na espinha, ainda assim, perguntou: 
- Ou? 
- Alguém aparecer com o seu tíquete. 
- Deus me livre! Não me fale uma coisa dessas! Já me basta ter que esperar todo esse tempo para poder tê-lo de volta. Se alguém tentasse levá-lo, ia ter que me arrastar junto! 
Após uma breve pausa, esperando uma reação humana e, talvez, solidária, que não veio, continuou: 
- Mas, bom, já que vou ter que esperar de qualquer maneira, é melhor que vejam logo as câmeras. 
- Vou providenciar a conferência das câmeras e, assim que tiver retorno, informarei a senhora. 
- Ah, e vou aceitar aquele café! 
Ao sentar-se ali ao lado, ela escutou ao fundo aquela voz arrastada e manhosa, de quem não vê mais graça nenhuma na piscina de bolinhas ou na moça que fala muito alto, repete bons dias até ele responder e age com demasiada animação: 
- Mãe! 
A voz insistia: 
- Mãe! 
Ela levantou a cabeça, com o ouvido bom virado para a origem daquele som. Demorou um pouco a perceber que era com ela, abriu levemente a boca e cobriu-a com a mão, censurando-se por não ter percebido antes. Após levantar-se, aproximou-se do cercadinho infantil, curvou-se diante do garoto e perguntou: 
- O que foi, meu filho? 
- Eu quero ir embora! 
- Nós já vamos, querido. Por enquanto, por que é que você não brinca mais um pouco com a tia? 
Imediatamente franzindo o cenho e cruzando os braços, ele retrucou: 
- Não quero! 
Corrigindo a postura, para ficar muito acima do garoto, e fechando levemente os olhos, ela proferiu a sentença final: 
- Pois vai ter que brincar sim! A mamãe perdeu o papelzinho para te tirar daí e a moça vai demorar pra resolver.

6 de setembro de 2010

Ruínas

Antevejo, em minha tela de cristal, o esgotamento de todos os recursos

Estamos todos condenados, acabou-se o mundo das boas idéias

2 de setembro de 2010

A traição de Eurídice

Agora, só me resta seguir em frente, tentando não olhar para trás. Daqui em diante, ela será apenas mais uma sombra, fadada a desaparecer, mesclando-se à escuridão das minhas memórias mais traumáticas. Eu cruzaria o inferno por ela, mas, por mais que me esforçasse, nunca a perdoaria.







ps: baseado no mito de Orfeu

1 de setembro de 2010

Desjeito

Após muito refletir, chegou à conclusão de que não havia um modo mais delicado de tocar no assunto. Sem saber onde colocar as mãos, entre enfiá-las no bolso ou cruzar os braços, comentou, como se por acaso:

- Você viu que agora tem uns sabonetes vaginais? Estranho, não é? Será que funcionam?