22 de setembro de 2010

O barbeiro da rua do Catete

Apesar das dificuldades para manter-se na profissão - principalmente por conta da imagem criada pelos romances policiais, filmes de mafiosos e, também, em menor escala, pela criada no trânsito caótico da cidade - ele mantinha funcionando a pequena barbearia, herança do pai, uma das poucas que restava na zona sul, ali na rua do Catete. O pequeno negócio funcionava desde a década de trinta, quando era tocado pelo saudoso mestre Inácio, que tinha fama de ser muito habilidoso com a navalha - alguns, um tanto exagerados, diziam até que ele seria capaz de partir um pêlo em dois, bem no meio, mantendo as metades no mesmo poro.

Nas paredes descascadas daquela salinha dois por dois, entremeada por uma cadeira de couro, estofada, pendurava orgulhoso as fotografias dos clientes famosos. Por mais que a situação atual tornasse difícil até para imaginar os tempos áureos do local, por ali haviam passado, nos quase oitenta anos de existência, diversos atores, diplomatas, políticos e magnatas. As fotos eram um tanto parecidas, uma vez que quase todos os clientes tinham metade da cara coberta de espuma, mas, para cada foto, ele tinha uma história diferente: esse aqui, era amante da Carmem Miranda; o de cima, do bigodinho, era comunista; aquele ali ao lado, cada vez que vinha, revelava algum segredo de estado; esse ali, só pedia para aparar com a tesoura, deixava a barba crescer porque tinha medo da navalha.

Entre tantas histórias já decoradas, quase automáticas, uma, em especial, o fazia dar uma breve pausa, complementada por um suspiro, antes de continuar. Então, ele apontava para uma foto de um senhor rechonchudo, careca, de óculos, estampando um sorriso amigável, e contava: ele veio aqui na véspera, veio andando mesmo, pediu para que meu pai o deixasse apresentável. Meu pai até tremeu um pouco na hora, nunca havia tratado de um presidente - e eu nunca tinha visto ele tremer daquele jeito. Para quebrar o clima, ele fez uma piada com a tremedeira, dizendo que, daquele jeito, acabaria o matando. Depois, comentou um pouco sobre o bairro, perguntou sobre a vida dos que ali estavam e, antes de sair, cumprimentou todos os curiosos, até mesmo eu. Quando partiu, caminhando, parecia bem contente, acho até que assobiava. Ao saber da notícia pela manhã, ainda menino, fiquei chocado, não entendi o porquê daquela visita - afinal, ele já devia estar pensando no que acabou por fazer. Mas, depois, bem depois, eu acho que entendi: ele queria estar bonito, pelo menos apresentável, ao entrar para a História.

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