30 de julho de 2008

Retalhismo

Um corte daqui
Outro dali

Cenas apenas
Nada a mais
Nem a menos

Lampejos e surtos
Prosa e poesia
Tiros curtos

29 de julho de 2008

Comer fora

- É assim todo dia, meu marido chega em casa com uma vontade. Não aguento mais.

- Melhor chegar com apetite do que chegar saciado.

26 de julho de 2008

Ameaça

Era um adepto da não-violência. Mas, percebendo a ineficácia do pacífico aviso de que aquilo era uma garagem e as pessoas não deviam estacionar bem em frente, produziu uma nova placa com os dizeres: "Não estacione. Sujeito a pneu furado".

Nunca mais teve problemas.

24 de julho de 2008

Nascente

Nado contra a corrente

Todo rio de sujeira

Começa em um mar de gente







2008 - 18º Concurso de Poesias Helena Kolody - Secretaria de Estado da Cultura - Curitiba - PR;
2008 - 7º lugar no Concurso Internacional de Poetrix - Movimento Poetrix - Salvador - BA;
Publicada nas coletâneas de ambos os concursos

23 de julho de 2008

Apressado

Quando a mãe perguntou o que queria ser quando crescesse, ele não hesitou:

- Quero ser velho!

- Ué, você não queria ser advogado como seu pai?

- Isso antes de passar as férias na casa do vô. Agora, quando crescer, eu quero ser velho.

- Como assim, meu filho? Velho você vai ficar de qualquer jeito.

- Eu sei, mas o que eu quero é poder aproveitar a vida e relaxar.

A mãe fez cara de bronca e perguntou:

- Você sabe que seu avô passou anos trabalhando para poder descansar agora, não sabe?

- Sei sim. E ele disse que na época ele não sabia aproveitar a vida e que agora, que ele é mais experiente, se arrepende profundamente.

A mãe parou, refletiu e deu-se por vencida. No fundo ela sabia que o garoto estava mais certo do que errado e o mundo mais errado do que certo.

22 de julho de 2008

Janela para a lucidez

O muro de um sanatório gritava em vermelho:

O pior louco é aquele que não quer perder o controle

21 de julho de 2008

Lua de Chesire

A lua, deitada no céu, sorri um sorriso minguado

Ela sabe que, por estas ruas enevoadas, durante a madrugada, encontrará apenas os bêbados e os loucos

20 de julho de 2008

Cego

Deixava o espaço dela na cama
Andava de mãos dadas com o vento

Demorou a acreditar que acabou

19 de julho de 2008

Metamorfose

- Papai, de onde vêm os poetas?

- Quando um escritor perde a musa, ele se fecha em um casulo por um tempo e, quando sai, já virou poeta.

17 de julho de 2008

Pouco exigente

O protagonista que aceita os moldes da história

Torna-se personagem incompleto

Figurante do próprio romance

16 de julho de 2008

Naturalmente, carnívoros

Como todo dia, na pia, o ritual pós-sacrifício acontecia: limpar as peles, cortar em filés, tiras ou cubos, temperar e cozinhar. Naquele dia em especial, em uma tábua de madeira, diante do altar, encontrava-se uma galinha caipira, com o pescoço torcido e ainda mantendo algumas penas.

O garoto, curioso, aproximou-se da cozinha e observou, com um pouco de nojo, a mãe manuseando aquele bicho. Ela arrancando penas, cortando a cabeça e tirando as peles. Quando reparou que ele estava ali, ele olhou para ela e perguntou:

- Mãe, o que é isso?

- Franguinho, filho!

- Então... É isso que é franguinho?

15 de julho de 2008

Deportado

Ao ser mal tratado pelos agentes da imigração, percebeu, tardiamente

Le Monde
n'est pas
Diplomatique

13 de julho de 2008

Causas

Em um muro de Curitiba, lia-se o seguinte protesto:

Carne é crime

Alguns dias depois, a resposta apareceu ao lado:

Fome é foda

10 de julho de 2008

9 de julho de 2008

Cômodo

Estável em minha infelicidade, mudei-me para uma casa de apenas um cômodo

Era mais do que o suficiente para um acomodado

8 de julho de 2008

7 de julho de 2008

Parceiro

Depois de quinze minutos naquela mesa de bar, sem uma palavra sequer, ele contou:

- Ela me pediu um tempo.

- E o que você fez?

- Eu dei. Dei dois minutos...

Me olhou nos olhos, ameaçou sorrir, soltou o ar pelo nariz e continuou:

- Para ela juntar as coisas dela e sumir.

Virou o copo e pediu outra dose. Eu, como bom amigo, o acompanhei, da ira ao choro.

6 de julho de 2008

Tempos pós-modernos

- Com o que você trabalha mesmo?

- Preocupo-me com detalhes que não fazem diferença.

- Que interessante, eu também.

5 de julho de 2008

Visionários

Os donos do mundo sabem que o petróleo derivou-se de animais e vegetação soterrados

Pensando no futuro, matam, desmatam e encobrem

4 de julho de 2008

Labirinto

Costumava dizer que estava apenas experimentando, abrindo portas

Algum tempo depois, entre tantas portas, já não sabia mais por qual sair

3 de julho de 2008

Insanidade

Depois de um dia cansativo, dando suor e sangue no trabalho, ele sentou-se à sua poltrona, no meio da sala. Seu filho surgiu correndo pelo corredor, saltou sobre ele e lhe deu um abraço apertado. Ele, já sem forças, retribuiu com um beijo no rosto e disse para o filho que se sentasse ao chão para que pudesse prestar atenção no jornal.

Após uma notícia, o garoto ficou curioso e perguntou:

- Mas, pai, como é que as vacas ficaram loucas?

- Elas foram alimentadas com ração que continha carne de vaca e um monte de produtos químicos, daí elas ficaram doentes e enlouqueceram.

- Então as vacas que se alimentaram de vacas são chamadas de vacas loucas?

- Sim. Isso mesmo.

- E como é que são chamadas as pessoas que se alimentam de pessoas?

Após pensar um pouco no seu dia e no estado em que estava, ele respondeu:

- Ricos, meu filho. Nós chamamos de ricos.