22 de abril de 2010

Picada

De madrugada, rondávamos pela casa, apenas eu e as formigas, minhas pequenas companheiras. Desde que descobri a insônia, foi sempre assim. Além dos hábitos noturnos, dividíamos a mesma compulsão por açúcar e eu até costumava deixar alguns farelos para as pequenas, dividia meu prato com elas.

As coisas começaram a mudar em uma das corridas ao banheiro, enjôo pós-bebedeira. Ajoelhado em frente ao vaso, descobri que as pequenas filhas da puta entram até no cesto de lixo do banheiro. Repleto de curiosidade, ao abrir o cesto, deparei-me com uma cena que me fez contrair um pouco mais o abdômen e esvaziar de vez o estômago. Notei qual era o banquete das malditas: uma barata, daquelas voadoras, que havia entrado pela janela na noite anterior e acabou vitimada por um duro golpe de havaianas. A barata morta, gosmenta, estava coberta por dezenas - talvez até centenas, - de formigas, que a levavam, pouco a pouco, aos pedaços, para algum buraco entre os azulejos. Chocado, porém esgotado, escovei meus dentes e voltei para o quarto, antes que perdesse de vez o sono.

No dia seguinte, ainda com um pouco de enjôo, relembrei da cena marcante. Pensei no quanto as baratas são temidas e em quanto asco elas causam. Depois, pensei em quanto as formigas são vistas quase que como os mocinhos do mundo dos insetos, trabalhadoras, limpas e honestas. Lembro inclusive de alguma tia falando, quando havia alguma no copo de suco, que fazia bem para a vista comer formigas. As pequenas aberrações livravam-se, impunes, de todos os pequenos crimes, cometidos durante a madrugada, logo abaixo do nosso nariz.

Naquele mesmo dia, antes de mais nada, fui direto ao mercado. Comprei um protetor de escovas de dentes - ninguém sabe por onde andam aqueles demônios - e um mata insetos, dos bem venenosos. Sentindo-me enganado, comecei a preparar-me para a vingança.

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