11 de outubro de 2010

Degradação

Apesar da insistência do médico para que tomasse os remédios todos os dias, ela estava aprendendo a conviver com a dor. Com muito esforço, continuava realizando as tarefas da casa, indo ao mercado, à padaria, à praça e, aos domingos de manhã e quartas de noite, à missa. No entanto, em uma ida à padaria, sentiu uma dor aguda, profunda, nos dois joelhos, e acabou indo ao chão. Envergonhada, caída de bruços, com a saia levantada acima do joelho, as mãos raladas e as roupas cobertas por poeira e por folhas secas, permaneceu ali, naquela posição, até que dois taxistas aproximaram-se para ajudá-la a levantar.

Depois daquele tombo, não queria mais sair de casa, recolheu-se aos seus aposentos, reduzindo as caminhadas aos percursos entre quarto, cozinha, banheiro e sala, sempre se apoiando nas paredes, com medo de cair de novo. Ao fim de uma semana, as dores eram tantas, que ela havia começado a dormir sentada na poltrona da sala, para evitar cruzar todo o corredor até o quarto e, principalmente, a grande dificuldade para levantar-se da cama.

Um dia, a filha, sem notícias dela por semanas, resolveu visitá-la. Ao chegar à porta do prédio, foi alarmada por uma vizinha antiga da mãe, que já não a via mais sair para nada e que, nos últimos dias, também não ouvia muita coisa. Apressou-se a subir as escadas e, ao chegar à porta, sentiu um cheiro forte, horrível, e demorou a abrir a porta por conta da tremedeira. Esperando o pior, adentrou o apartamento e encontrou-a na poltrona, empalidecida, assustadoramente magra. Já tinha feridas nas costas e nas partes dos braços e pernas que ficavam apoiadas na cadeira. Em volta da poltrona, remanesciam alguns pratos de comida, já apodrecida, repleta de fungos de diversas cores. Ao abrir os olhos e perceber que a filha estava ali, estática, ela ameaçou levantar-se, mas desistiu, e então disse:

- Oi, minha filha! Não repare na bagunça.

O choro foi inevitável. A filha não sabia o que dizer, o que fazer. Estava chocada. Ajudou a mãe a caminhar até o banheiro, colocou-a debaixo do chuveiro, limpou-a por inteiro, incluindo as feridas, e depois a ajudou a caminhar até o quarto, para deitá-la na cama. Ligou para o marido, pedindo para que viesse logo, e começou a arrumar a sala, único cômodo que tinha sinais de qualquer atividade recente. Naquela tarde, apesar da resistência da mãe, que dizia estar muito bem, carregaram-na até o hospital - sem precisar usar de força, uma vez que ela não tinha condições de resistir fisicamente.

Nas semanas em que permaneceu internada, ainda com imensa dificuldade para levantar-se e caminhar até o banheiro, ela continuou a recusar os analgésicos e antiinflamatórios, insistia que estava sentindo-se bem. Por mais que tentassem, até mesmo escondendo as pílulas na comida, não conseguiam convencê-la a engolir. Os médicos já cogitavam sedá-la, para então administrar a medicação no soro, e recomendavam à família que, assim que tivesse condições de receber alta, ela fosse levada a uma instituição psiquiátrica para avaliação - afinal, não era normal aquela recusa, insistente, de remédios que poderiam melhorar a qualidade de vida de pacientes no estado dela.

Nas breves conversas com a filha, desviava do assunto quando se tratava dos remédios. Antes de ser sedada, se negava a dar qualquer explicação aos médicos. Além disso, refutava os diagnósticos de piora no quadro da artrose e fazia questão, ainda que ninguém a ouvisse, de falar sobre o clima, os rumos das novelas e outros temas rotineiros, que costumavam dominar seus diálogos antes de ser tomada pelas dores. Ao psiquiatra, nunca revelou seus verdadeiros anseios e medos. Acabou, por fim, internada, sem nunca mencionar a ninguém os motivos de sua recusa, claro indício de depressão, autodegradação.

Após meses presa naquele quarto insípido, sob efeito de fortes sedativos, aliados aos analgésicos e antiinflamatórios, todos misturados ao soro, ela só dispunha-se a falar sobre tarefas domésticas, filmes e romances, enquanto mantinha-se calada sobre a recusa dos medicamentos. Ela sabia que os médicos e parentes insistiriam, mas não iria, de maneira alguma, sujeitar-se a engolir comprimidos diários. Ainda estavam frescas as memórias do falecido: era tão saudável, mas definhou em um instante, assim que se aposentou e incluiu as pílulas para o coração na rotina diária. Em pouco tempo, já engolia cerca de seis comprimidos por refeição, cada qual com seus efeitos e defeitos. O remédio da pressão piorou a circulação, que mexeu com o coração, que causou um problema no estômago, pedra no rim, sobrecarga do fígado e, por fim, naquele equilíbrio tão frágil, de folha de outono em galho seco, um vento frio causou uma gripe, que se converteu em bronquite, pneumonia, e assim ele foi-se. Nunca soube os motivos que levaram todas aquelas pessoas, algumas muito amadas e bem criadas, a convencê-lo a seguir aquele rumo. No entanto, mesmo que não soubesse, esforçava-se para manter a rotina dos velhos tempos, ela não se renderia, não assim, tão fácil.

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