18 de outubro de 2010

Castigo

Antes de iniciar qualquer frase, tossia por três vezes, uma tosse seca, sofrida, com o punho cerrado diante da boca. Depois de respirar fundo, citava um dos elementos da santíssima trindade e, somente então, fazia alguma referência ao assunto.

Por quatro anos, durante o ensino fundamental, aquela moça com roupas e trejeitos de senhora tentou nos passar algum conhecimento nas aulas de ensino religioso. O problema é que, quando ela terminava o ritual das tosses e bençãos, ninguém mais estava prestando atenção. Durante os quatro anos, ela falava e falava, lia trechos da bíblia, explicava as parábolas e tentava nos encher de esperança no natal, culpa do carnaval até a páscoa e, entre a páscoa e o natal, um misto de compaixão e conformismo.

Até acredito que alguns daquela turma ainda carregam influência dela nos dias atuais, mais de vinte anos depois, principalmente os que foram alvos dos fervorosos - mas, felizmente, pouco frequentes - sermões. Teve um garoto que levou um ovo de chocolate para a escola, na semana anterior à páscoa, coitado. Ela deu-lhe um sermão de ecoar nas outras salas, crucificou-lhe pela gula e pelo descaso com o senhor, que estava prestes a sacrificar-se pelos pecados dele. O garoto tinha sete ou oito anos, não deve mais comer chocolate até hoje.

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