Viviam, se é que dava para chamar aquilo de viver, em um mundo de violência, de insanidade e sem clemência. Neste mundo invertido, tapa virou carinho e, das flores, aproveitava-se apenas os espinhos.
As pessoas nunca sorriam e nunca choravam. Não se sabe ao certo se sentiam algo, mas ninguém importava-se com isso, sentimentos alheios eram realmente alheios. Viviam de muitos tapas e poucos beijos, muito empurrão e pouco abraço, muitos gritos e poucos suspiros. Carinho de verdade, só por conveniência, nos breves lapsos de inocência.
Mas havia um sujeito que vivia com um sorriso permanente. Ele parecia estar alheio, avoado. Esqueceu de acompanhar o fluxo. Os olhares curiosos o acompanhavam e perguntavam-se sobre a existência de um motivo para sorrir. Naquele mundo, o sorriso e muitos pequenos prazeres eram considerados mitos, lendas urbanas . As pessoas comentavam nas rodas de amigos: "um amigo do vizinho do meu primo disse que rolou no chão de tanto rir", "eu tenho uma tia que disse que trocou olhares e sorrisos com um sujeito, olhares nos olhos!". Os ouvintes das mesas de bar ficavam sempre entre curiosos e incrédulos, esperançosos e céticos. Entretanto, quem via o sorriso daquele sujeito sentia-se um pouco inquieto e via-se, pela primeira vez, pensando no sentimento alheio.
Um dia resolveram questionar o motivo de tal sorriso. E o sujeito sorridente contou a todos o seu segredo. Há tempos havia encontrado uma rosa, sem espinhos, e que, ao cuidar dela com todo carinho, sentia-se, ao mesmo tempo, sendo cuidado. Sentia-se encantado por aquela flor que, além de não fazê-lo sentir-se incomodado, o fazia sorrir.
Na primavera daquele ano, os que se sentiram tocados, cada vez multiplicados, floresceram os sorrisos e florearam o mundo afora.
Exercícios literários e outras peças mal acabadas que não são adequadas para o comércio como produtos culturais.
27 de abril de 2008
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