20 de julho de 2009

A carniceira da Cinelândia

A salinha era pequena, com paredes amareladas pelo tempo e com cheiro forte de algum produto químico. Pela janela, ainda que escurecida, notava-se a cruz na ponta da catedral, a algumas quadras de distância.

Eu já estava deitado, com uma luz forte sobre o meu rosto, quando ouvi a batida seca daqueles saltos, aproximando-se por trás de mim. Ela chegou mostrando a que veio, sentou-se ao meu lado, aproximou ainda mais a luz do meu rosto e começou a utilizar uma das inúmeras ferramentas que estavam ao alcance dos meus olhos. No primeiro movimento, arrancou-me sangue e, então, dona da situação, começou a questionar-me sobre os motivos que me levaram a estar na cidade, há quanto tempo eu estava ali e quais eram os meus objetivos. Mesmo que eu quisesse, não podia falar, seria pior.

Fechei os olhos, tentando suportar a dor calado, enquanto ela resolveu utilizar todo seu repertório. Sentia-me dilacerado, com cheiro e gosto de sangue, mas permanecia calado e de olhos fechados.

Ela continuou aplicando seus métodos até que, para meu alívio, uma campainha soou. Ela deteve-se, olhou para a assistente e fez um sinal com os olhos para que ela fosse verificar a situação. A assistente saiu, vagarosamente, e dirigiu-se ao corredor. Ela voltou-se novamente para a mesa de instrumentos, mas, após alguns instantes, a assistente voltou e sussurrou algo em seu ouvido. Neste instante, ela deteve-se novamente, olhou-me nos olhos e disse:

- Eu já volto!

Respirei fundo, cuspi sangue e tentei relaxar os músculos - a este ponto, estavam totalmente tensos. A assistente observava-me, parecia sentir um pouco de pena. A chefe voltou, mandou que ela se retirasse da sala e sentou-se novamente ao meu lado.

Quando achei que ela escolheria algum novo equipamento para infligir-me alguma dor, surpreendeu-me com um pedaço de papel e limpou-me o rosto. Após recomendar que eu me cuidasse para não precisar vê-la de novo em breve, liberou-me. Atravessei o corredor ainda atordoado. Ao chegar na recepção, dei de cara com o próximo paciente. Eu queria avisá-lo, mas não consegui, minha boca toda doía.

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