7 de junho de 2008

Virando o avesso

Viramos mais um copo de pinga antes de virar mais um assunto do avesso. Ela começou:

- Quando é bom demais, sempre acaba.

- Estranho isso, não é? Deve ser aquela coisa de parábola.

- Parábola de estória?

- Não. Bom... Sim, é sim. Estória em parábola, aquela curva que sobe e desce, tipo o arco-íris!

- Ahn?

- Arco-íris! Sai do chão, vai ao céu e volta... Mas sem pote de ouro no fim.

- Nem duendes?

- Nem ao menos uma fada.

- Triste.

Estabelecemos um minuto de silêncio. Depois de quinze segundos, continuei:

- É, mas pelo menos dá para tomar banho de chuva.

- Ahn?

- Arco-íris. Sol e chuva.

- Casamento de viúva.

- Chuva e sol, casamento de espanhol.

- Achei que ninguém lembrasse disso.

- Lembro até do pé de cachimbo.

- É. O buraco é fundo.

- Não acabou-se o mundo.

- Não mesmo. Bola para a frente.

- Que atrás vem gente.

- Essa tinha continuação?

- Acho que não.

- Vamos inventar?

- Como?

- Sei lá. Bola para frente que atrás vem gente. Gente é carente, confunde a mente. Mente é fraca...

Após uma breve pausa, continuei:

- Só consigo lembrar de cloaca.

Ela deu uma risada sonora e exclamou:

- Cloaca! Não ouvia isso desde os tempos do colégio.

- Cloaca não rola. Faca, vaca, maca, babaca.

- Mente é fraca... enche de craca.

- Nossa! Essa eu não ouvia desde quando eu estava aprendendo a tomar banho sozinho. Minha mãe vinha conferir se eu tinha lavado tudo direitinho e perguntava, parte por parte, "Lavou o joelhinho?", eu respondia "Ih! Esqueci!". Depois ela falava que eu estava cheio de craca, craquento.

Rimos, paramos e ficamos pensando. Ela voltou ao assunto:

- Mente é fraca... Por que fraca? Não dá para mudar o fraca?

- Dá. Gente é carente, confunde a mente. Mente é paranóica...

Novamente rindo, com um brilho nos olhos, ela respondeu:

- Aí fode com a rima.

- Rima com perestroika!

Ela gargalhou e eu, num estalo, continuei:

- Mente e se engana.

- Olha. Adoro quando você faz isso!

- Isso o quê?

- Brincar com as palavras.

Quase encostando o queixo no peito, suspirei. Ela perguntou:

- Ficou envergonhado?

- É.

- Seu besta. É um elogio.

- Eu sei. Mas...

Não terminei a frase. Não consegui nem formular. Respirei fundo e continuei:

- Vamos terminar. Com engana.

- Tomando cana!

- Cana é braba, tudo acaba!

- Perfeita, seu boêmio!

Eu sorri, ela continuou:

- Gostei do final, mas já esqueci o começo. Como é que ficou?

- Bola para frente
Que atrás vem gente
Gente é carente
Confunde a mente
Mente e se engana
Tomando cana
Cana é braba
Tudo se acaba!

- Fechou fudido!

Extasiados, pedimos mais uma dose.

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