Viramos mais um copo de pinga antes de virar mais um assunto do avesso. Ela começou:
- Quando é bom demais, sempre acaba.
- Estranho isso, não é? Deve ser aquela coisa de parábola.
- Parábola de estória?
- Não. Bom... Sim, é sim. Estória em parábola, aquela curva que sobe e desce, tipo o arco-íris!
- Ahn?
- Arco-íris! Sai do chão, vai ao céu e volta... Mas sem pote de ouro no fim.
- Nem duendes?
- Nem ao menos uma fada.
- Triste.
Estabelecemos um minuto de silêncio. Depois de quinze segundos, continuei:
- É, mas pelo menos dá para tomar banho de chuva.
- Ahn?
- Arco-íris. Sol e chuva.
- Casamento de viúva.
- Chuva e sol, casamento de espanhol.
- Achei que ninguém lembrasse disso.
- Lembro até do pé de cachimbo.
- É. O buraco é fundo.
- Não acabou-se o mundo.
- Não mesmo. Bola para a frente.
- Que atrás vem gente.
- Essa tinha continuação?
- Acho que não.
- Vamos inventar?
- Como?
- Sei lá. Bola para frente que atrás vem gente. Gente é carente, confunde a mente. Mente é fraca...
Após uma breve pausa, continuei:
- Só consigo lembrar de cloaca.
Ela deu uma risada sonora e exclamou:
- Cloaca! Não ouvia isso desde os tempos do colégio.
- Cloaca não rola. Faca, vaca, maca, babaca.
- Mente é fraca... enche de craca.
- Nossa! Essa eu não ouvia desde quando eu estava aprendendo a tomar banho sozinho. Minha mãe vinha conferir se eu tinha lavado tudo direitinho e perguntava, parte por parte, "Lavou o joelhinho?", eu respondia "Ih! Esqueci!". Depois ela falava que eu estava cheio de craca, craquento.
Rimos, paramos e ficamos pensando. Ela voltou ao assunto:
- Mente é fraca... Por que fraca? Não dá para mudar o fraca?
- Dá. Gente é carente, confunde a mente. Mente é paranóica...
Novamente rindo, com um brilho nos olhos, ela respondeu:
- Aí fode com a rima.
- Rima com perestroika!
Ela gargalhou e eu, num estalo, continuei:
- Mente e se engana.
- Olha. Adoro quando você faz isso!
- Isso o quê?
- Brincar com as palavras.
Quase encostando o queixo no peito, suspirei. Ela perguntou:
- Ficou envergonhado?
- É.
- Seu besta. É um elogio.
- Eu sei. Mas...
Não terminei a frase. Não consegui nem formular. Respirei fundo e continuei:
- Vamos terminar. Com engana.
- Tomando cana!
- Cana é braba, tudo acaba!
- Perfeita, seu boêmio!
Eu sorri, ela continuou:
- Gostei do final, mas já esqueci o começo. Como é que ficou?
- Bola para frente
Que atrás vem gente
Gente é carente
Confunde a mente
Mente e se engana
Tomando cana
Cana é braba
Tudo se acaba!
- Fechou fudido!
Extasiados, pedimos mais uma dose.
Exercícios literários e outras peças mal acabadas que não são adequadas para o comércio como produtos culturais.
7 de junho de 2008
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O triste retrato da cidade enlouquecida a ambulância detida no descaso do tráfego
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Tal qual a nata que era como se julgava ela não se misturava Com ares um tanto blasé apenas flutuava, pomposa sentindo-se a dona do lago
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No centro do auditório, a justiça permanece sentada e vendada, enquanto o apresentador aponta para um político corrupto, depois para um ladr...
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