19 de outubro de 2007

Revolução dos segredos

No início achávamos impossível, mas com o tempo nos acostumamos com a ideia: não havia mais segredos. Pensávamos na época que o que se produzia em nossas cabeças ficava, e sempre ficaria, restrito a nós. Mas um dia qualquer, não se sabe a data exata, alguns se mostraram um passo à frente: sabiam o que se passava na cabeça ao lado. E todos se indagaram sobre como isso era possível, elaboraram diversas teorias envolvendo psiquiatria, física quântica ou telepatia, mas sempre ficava faltando algo, um elo.

Depois de algum tempo, o fenômeno difundiu-se, algumas pessoas até deixaram de conversar, sabiam que a pessoa ao lado sabia o que estavam pensando, a sintonia era quase visível. E foi o termo sintonia que desencadeou a explicação mais aceita para o que acontecia: eram ondas. Não produzíamos apenas ondas sonoras e calor, mas a cada pensamento, a cada ideia, emitíamos ondas que até então não eram captadas e, em algum momento de evolução, passamos a ter a capacidade de captá-las.

Com a expansão incontrolável desta habilidade, não havia mais segredos, nada mais era só nosso: cada pensamento era compartilhado. No início foi extremamente complicado para as relações humanas, a sinceridade do pensamento contrastava com os esconderijos da fala e do silêncio. Mas foi ainda mais complicado para as relações sociais e políticas. Cada segredo estratégico, cada desvio de verba, tudo acabava escapando em um pensamento. E vários dos governantes foram desmascarados pelo movimento autodenominado In Veritas, que costumava abordar os políticos que ousassem transitar por locais públicos e indagá-los sobre suas ações frente ao governo e à corrupção. Por mais que as bocas se fechassem, a confissão era inevitável. Os mais poderosos chegaram a cogitar um equipamento que bloqueasse a leitura dos pensamentos, investiram bilhões, mas a única conclusão a que se chegou foi a do senso comum: não há barreiras para o pensamento.

Além do fim dos segredos, a liberdade de expressão fez-se efetiva quando ninguém mais precisava, ou até mesmo conseguia, pensar antes de expor uma opinião. O que também causou muito desconforto, pois a exposição de tantos conceitos acarretaria o fim da ditadura do pensamento. Foi então que se deu a última tentativa de conter a proclamada sintonia geral. A intenção era calar os pensamentos subversivos, e tentaram de tudo; Mas, nem mesmo o medo, semeador de silêncios, foi suficiente para conter a revolução dos segredos.

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