10 de dezembro de 2009

À parte

Voltando para casa, invariavelmente passava diante do mercado. Pensou em entrar para comprar um bom vinho para acompanhar o jantar, mas quando chegou na frente, desistiu. Não passou reto porque a multidão que começava a aglomerar-se obrigou-o a desviar, mas, avesso a confusões, passou direto.

Enquanto ele passava, observou de relance que os seguranças estavam cercando uma senhora que parecia estar tentando atingir-lhes com uma sacola de tecido cheia de compras, também ouviu as pessoas comentando que ela já havia atirado outras mercadorias contra os funcionários do mercado. Permaneceu indiferente à cena e aos comentários, era também avesso às fofocas e burburinhos.

Continuou andando para casa, mas percebeu que enquanto ele andava, a notícia corria. Mal havia andado meia quadra e já via o assunto chegando na esquina, mais ou menos na mesma altura do congestionamento causado pelos motoristas que passavam devagar, tentando espiar alguma cena da confusão por entre os passantes, que no momento estavam parados, mas logo passariam. Sentiu-se incomodado ao ver que todos pelo caminho comentavam e aumentavam a situação vexatória dos envolvidos, mas o máximo que podia fazer era manter-se indiferente e não aumentar a onda - que a esse momento já estava enorme. Na esquina já comentavam que alguém estava atirando pedras e pedaços de pau para todo lado, que havia feridos.

Ao entrar no saguão do prédio, acreditou ter despistado a notícia que o cercava desde o mercado. Mas foi então que o porteiro comentou sobre a atuação violenta da polícia, há pouco tempo, em uma situação com reféns no mercado. Olhou para o porteiro e percebeu que ele falava com um morador que estava sempre por ali, sentado na poltrona - que talvez fosse até dele e não do condomínio, porque nunca havia visto nenhum outro morador usando-a. Sentiu-se aliviado porque podia poupar-se de fazer qualquer comentário em relação ao caso, até porque, caso comentasse, reduziria aos fatos o acontecimento que havia provocado tantas reações e, de fato ou ficção, agitado um bom tanto a vida um outro tanto monótona dos que deixam para viver no final de semana.

Quando entrou no apartamento, finalmente livre, sentiu-se superior aos que sucumbiram ao burburinho, às fofocas e conduziram uma simples confusão de saída de mercado a um conflito armado.

Começou a preparar o jantar e a repensar os acontecimentos do dia. Após alguns momentos de reflexão, sentiu-se angustiado porque, de fato, o que acontecera de mais interessante no dia foi o rebuliço na porta do mercado, que podia ter se tornado parte do seu dia se acaso não tivesse se esforçado tanto para ignorá-lo.

Um pouco depois que ele terminou a janta, especialmente preparada para a esposa, ela chegou. Cumprimentaram-se com um beijo - sem abraço por conta das mãos engorduradas - e, então, ele perguntou:

- Demorou um pouco mais hoje, muito trânsito?

- Essa rua ali da frente estava um pouco parada. Parece que houve alguma confusão no mercado. Você ficou sabendo algo?

Diante da pergunta a ele direcionada, o estímulo que lhe faltava, não conseguiu conter-se:

- Parece que alguém tomou um tiro no mercado.

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