Dá de ombros como quem não quer nada
Mas, no momento seguinte, aproximamos os corpos, entrelaçamos as pernas e esbarramos os olhares
Exercícios literários e outras peças mal acabadas que não são adequadas para o comércio como produtos culturais.
30 de junho de 2008
29 de junho de 2008
28 de junho de 2008
Sem ressaca
Na manhã seguinte, os olhos estavam com o tom amarelado da falta de sono
E com o brilho de que valeu a pena
E com o brilho de que valeu a pena
27 de junho de 2008
26 de junho de 2008
Insuspeito
Dentro do ônibus, foi arremessado ao chão após uma freada brusca. Algumas pessoas, solidárias, ajudaram-no a se levantar. Ele mal agradeceu e procurou um lugar onde pudesse segurar-se e permanecer em pé. Assim que se estabilizou, colocou as mãos no bolso e percebeu a ausência da carteira. Imediatamente, soltou o ar, bufando, extremamente nervoso, e, sem saber exatamente como agir, começou a observar e a pensar. Reconstituiu o momento da queda, cada detalhe e cada movimento. Repassou e fixou os olhos em cada rosto, como numa linha de reconhecimento de suspeitos. Falava para si mesmo:
- Foi aquele do cabelinho espetado e calça larga. Tem perfil de bandidinho, só pode ter sido. Ou então aquela crente, se fazendo de santa, mas sem um pingo de honestidade, deprimente. Pode ter sido o cobrador. Cobrador é sempre malandro, dando cantadas nas mães solteiras, enganando os turistas, não se salva um. Pode ter sido qualquer um, não boto minha mão no fogo por nenhum destes... destes... humanos.
Continuou sem ação e indignado até chegar a seu destino. Sentiu-se mal, mais pelas atitudes alheias do que pelo pouco dinheiro que carregava na carteira. Desceu do ônibus e prosseguiu apenas esmiuçando cada suspeito e contando a si mesmo a ficha criminal e os maus hábitos de cada um.
Após chegar em casa, encontrou a carteira escondida, devido ao medo de assalto, em um bolso interno da mochila. No ônibus, ninguém suspeitava do que se passava na cabeça daquele pobre sujeito que eles ajudaram a se levantar.
- Foi aquele do cabelinho espetado e calça larga. Tem perfil de bandidinho, só pode ter sido. Ou então aquela crente, se fazendo de santa, mas sem um pingo de honestidade, deprimente. Pode ter sido o cobrador. Cobrador é sempre malandro, dando cantadas nas mães solteiras, enganando os turistas, não se salva um. Pode ter sido qualquer um, não boto minha mão no fogo por nenhum destes... destes... humanos.
Continuou sem ação e indignado até chegar a seu destino. Sentiu-se mal, mais pelas atitudes alheias do que pelo pouco dinheiro que carregava na carteira. Desceu do ônibus e prosseguiu apenas esmiuçando cada suspeito e contando a si mesmo a ficha criminal e os maus hábitos de cada um.
Após chegar em casa, encontrou a carteira escondida, devido ao medo de assalto, em um bolso interno da mochila. No ônibus, ninguém suspeitava do que se passava na cabeça daquele pobre sujeito que eles ajudaram a se levantar.
25 de junho de 2008
Indecisão
Peguei o ônibus errado. Quando percebi, ao invés de sair, sentei. Até que era confortável.
Só me voltava a agonia quando eu olhava, através do vidro, e via: tudo que eu queria ficando para trás. Quanto mais tempo eu ficava ali, mais longe ficava meu destino. Escorri pelo vidro como a chuva. Mas, fiquei inerte, na cadeira para dois com uma vazia, não sei se por orgulho ou teimosia.
Uma hora, o motorista parou, levantou e disse:
- É o ponto final.
- Tenho mesmo que descer?
- Pode ficar aqui, mas vai ficar só.
Naquele dia, dormi na garagem. Senti um pouco de frio, mas, de resto, era bem cômodo.
Só me voltava a agonia quando eu olhava, através do vidro, e via: tudo que eu queria ficando para trás. Quanto mais tempo eu ficava ali, mais longe ficava meu destino. Escorri pelo vidro como a chuva. Mas, fiquei inerte, na cadeira para dois com uma vazia, não sei se por orgulho ou teimosia.
Uma hora, o motorista parou, levantou e disse:
- É o ponto final.
- Tenho mesmo que descer?
- Pode ficar aqui, mas vai ficar só.
Naquele dia, dormi na garagem. Senti um pouco de frio, mas, de resto, era bem cômodo.
24 de junho de 2008
23 de junho de 2008
22 de junho de 2008
Punição exemplar
Chamamos, ironicamente, de país da impunidade
Um lugar onde a maioria é punida, diariamente, pela falta de oportunidade
Um lugar onde a maioria é punida, diariamente, pela falta de oportunidade
21 de junho de 2008
20 de junho de 2008
19 de junho de 2008
Domador de demônios
Deito em minha cama e milhares de pequenos demônios infestam-me as idéias, o travesseiro e o canto escuro do quarto.
Ando cautelosamente até o som, ligo-o e volto para a cama; Com a música, ao menos, eles dançam.
Ando cautelosamente até o som, ligo-o e volto para a cama; Com a música, ao menos, eles dançam.
18 de junho de 2008
Cumplicidade
Depois de separados pelas circunstâncias, ao se encontrarem, trocavam um abraço e tocavam os rostos, para saber que estavam bem.
Ao menos isso ainda podiam. No mínimo, deviam.
Ao menos isso ainda podiam. No mínimo, deviam.
17 de junho de 2008
16 de junho de 2008
Os sonhos e a falta que eles fazem
Já sabiam, desde aquela manhã
Que nunca mais dormiriam separados
No sonho ou na saudade
Que nunca mais dormiriam separados
No sonho ou na saudade
14 de junho de 2008
Descuidado
Delicadas, em minhas mãos, não duram
Quebro todas, quase que sem querer
Antigamente, as coisas eram feitas para durar, sólidas
Hoje em dia, até as regras são frágeis
Quebro todas, quase que sem querer
Antigamente, as coisas eram feitas para durar, sólidas
Hoje em dia, até as regras são frágeis
13 de junho de 2008
12 de junho de 2008
11 de junho de 2008
Prós e contras
Não há lugar mais seguro do que uma cela
Não há paixão mais estável do que a contida
Não há lugar ao sol que não queime
Não há paixão mais estável do que a contida
Não há lugar ao sol que não queime
10 de junho de 2008
9 de junho de 2008
Contra o tempo
Explicou ao filho as coisas da vida e do tempo. Para facilitar, usou o relógio de exemplo:
- Aquele é o tempo, passando.
- Ele fica dando voltas?
- Nem sempre, às vezes passa correndo e nunca mais volta, por isso precisamos correr atrás do tempo.
No dia seguinte, após ficar horas observando o relógio enquanto o pai corria de um lado para o outro, o garoto retrucou:
- Você disse que a gente tem que correr atrás do tempo porque o tempo corre. Mas, ele tem uma perna bem maior que a outra, nem consegue correr. A gente é que tem que andar com mais calma... Para não deixar ele para trás.
- Aquele é o tempo, passando.
- Ele fica dando voltas?
- Nem sempre, às vezes passa correndo e nunca mais volta, por isso precisamos correr atrás do tempo.
No dia seguinte, após ficar horas observando o relógio enquanto o pai corria de um lado para o outro, o garoto retrucou:
- Você disse que a gente tem que correr atrás do tempo porque o tempo corre. Mas, ele tem uma perna bem maior que a outra, nem consegue correr. A gente é que tem que andar com mais calma... Para não deixar ele para trás.
8 de junho de 2008
Disputado
A faca pega em minha mão e acaricia meus pulsos
O lençol envolve-se em meu pescoço
E a sacada faz cócegas em meus pés
Mas, por fim, são as pílulas que me beijam a boca
O lençol envolve-se em meu pescoço
E a sacada faz cócegas em meus pés
Mas, por fim, são as pílulas que me beijam a boca
7 de junho de 2008
Virando o avesso
Viramos mais um copo de pinga antes de virar mais um assunto do avesso. Ela começou:
- Quando é bom demais, sempre acaba.
- Estranho isso, não é? Deve ser aquela coisa de parábola.
- Parábola de estória?
- Não. Bom... Sim, é sim. Estória em parábola, aquela curva que sobe e desce, tipo o arco-íris!
- Ahn?
- Arco-íris! Sai do chão, vai ao céu e volta... Mas sem pote de ouro no fim.
- Nem duendes?
- Nem ao menos uma fada.
- Triste.
Estabelecemos um minuto de silêncio. Depois de quinze segundos, continuei:
- É, mas pelo menos dá para tomar banho de chuva.
- Ahn?
- Arco-íris. Sol e chuva.
- Casamento de viúva.
- Chuva e sol, casamento de espanhol.
- Achei que ninguém lembrasse disso.
- Lembro até do pé de cachimbo.
- É. O buraco é fundo.
- Não acabou-se o mundo.
- Não mesmo. Bola para a frente.
- Que atrás vem gente.
- Essa tinha continuação?
- Acho que não.
- Vamos inventar?
- Como?
- Sei lá. Bola para frente que atrás vem gente. Gente é carente, confunde a mente. Mente é fraca...
Após uma breve pausa, continuei:
- Só consigo lembrar de cloaca.
Ela deu uma risada sonora e exclamou:
- Cloaca! Não ouvia isso desde os tempos do colégio.
- Cloaca não rola. Faca, vaca, maca, babaca.
- Mente é fraca... enche de craca.
- Nossa! Essa eu não ouvia desde quando eu estava aprendendo a tomar banho sozinho. Minha mãe vinha conferir se eu tinha lavado tudo direitinho e perguntava, parte por parte, "Lavou o joelhinho?", eu respondia "Ih! Esqueci!". Depois ela falava que eu estava cheio de craca, craquento.
Rimos, paramos e ficamos pensando. Ela voltou ao assunto:
- Mente é fraca... Por que fraca? Não dá para mudar o fraca?
- Dá. Gente é carente, confunde a mente. Mente é paranóica...
Novamente rindo, com um brilho nos olhos, ela respondeu:
- Aí fode com a rima.
- Rima com perestroika!
Ela gargalhou e eu, num estalo, continuei:
- Mente e se engana.
- Olha. Adoro quando você faz isso!
- Isso o quê?
- Brincar com as palavras.
Quase encostando o queixo no peito, suspirei. Ela perguntou:
- Ficou envergonhado?
- É.
- Seu besta. É um elogio.
- Eu sei. Mas...
Não terminei a frase. Não consegui nem formular. Respirei fundo e continuei:
- Vamos terminar. Com engana.
- Tomando cana!
- Cana é braba, tudo acaba!
- Perfeita, seu boêmio!
Eu sorri, ela continuou:
- Gostei do final, mas já esqueci o começo. Como é que ficou?
- Bola para frente
Que atrás vem gente
Gente é carente
Confunde a mente
Mente e se engana
Tomando cana
Cana é braba
Tudo se acaba!
- Fechou fudido!
Extasiados, pedimos mais uma dose.
- Quando é bom demais, sempre acaba.
- Estranho isso, não é? Deve ser aquela coisa de parábola.
- Parábola de estória?
- Não. Bom... Sim, é sim. Estória em parábola, aquela curva que sobe e desce, tipo o arco-íris!
- Ahn?
- Arco-íris! Sai do chão, vai ao céu e volta... Mas sem pote de ouro no fim.
- Nem duendes?
- Nem ao menos uma fada.
- Triste.
Estabelecemos um minuto de silêncio. Depois de quinze segundos, continuei:
- É, mas pelo menos dá para tomar banho de chuva.
- Ahn?
- Arco-íris. Sol e chuva.
- Casamento de viúva.
- Chuva e sol, casamento de espanhol.
- Achei que ninguém lembrasse disso.
- Lembro até do pé de cachimbo.
- É. O buraco é fundo.
- Não acabou-se o mundo.
- Não mesmo. Bola para a frente.
- Que atrás vem gente.
- Essa tinha continuação?
- Acho que não.
- Vamos inventar?
- Como?
- Sei lá. Bola para frente que atrás vem gente. Gente é carente, confunde a mente. Mente é fraca...
Após uma breve pausa, continuei:
- Só consigo lembrar de cloaca.
Ela deu uma risada sonora e exclamou:
- Cloaca! Não ouvia isso desde os tempos do colégio.
- Cloaca não rola. Faca, vaca, maca, babaca.
- Mente é fraca... enche de craca.
- Nossa! Essa eu não ouvia desde quando eu estava aprendendo a tomar banho sozinho. Minha mãe vinha conferir se eu tinha lavado tudo direitinho e perguntava, parte por parte, "Lavou o joelhinho?", eu respondia "Ih! Esqueci!". Depois ela falava que eu estava cheio de craca, craquento.
Rimos, paramos e ficamos pensando. Ela voltou ao assunto:
- Mente é fraca... Por que fraca? Não dá para mudar o fraca?
- Dá. Gente é carente, confunde a mente. Mente é paranóica...
Novamente rindo, com um brilho nos olhos, ela respondeu:
- Aí fode com a rima.
- Rima com perestroika!
Ela gargalhou e eu, num estalo, continuei:
- Mente e se engana.
- Olha. Adoro quando você faz isso!
- Isso o quê?
- Brincar com as palavras.
Quase encostando o queixo no peito, suspirei. Ela perguntou:
- Ficou envergonhado?
- É.
- Seu besta. É um elogio.
- Eu sei. Mas...
Não terminei a frase. Não consegui nem formular. Respirei fundo e continuei:
- Vamos terminar. Com engana.
- Tomando cana!
- Cana é braba, tudo acaba!
- Perfeita, seu boêmio!
Eu sorri, ela continuou:
- Gostei do final, mas já esqueci o começo. Como é que ficou?
- Bola para frente
Que atrás vem gente
Gente é carente
Confunde a mente
Mente e se engana
Tomando cana
Cana é braba
Tudo se acaba!
- Fechou fudido!
Extasiados, pedimos mais uma dose.
6 de junho de 2008
5 de junho de 2008
Desejo negado
O isqueiro acende a chama
Ilumina o olhar
Mas fica na vontade
Nem ao menos chega perto
Do calor da boca
Ilumina o olhar
Mas fica na vontade
Nem ao menos chega perto
Do calor da boca
4 de junho de 2008
Solução
Entediado, reparava nos detalhes verde-mofo da rotina, cartas marcadas
Inspirado, embaralhou-as com algumas lembranças avermelhadas
Debaixo do céu azul e com folhas no chão, amareladas, fez do outono primavera
Inspirado, embaralhou-as com algumas lembranças avermelhadas
Debaixo do céu azul e com folhas no chão, amareladas, fez do outono primavera
3 de junho de 2008
Peso
- É sempre assim, só damos valor quando perdemos.
- Não generalize! Eu, por exemplo, dou valor quando tenho.
- E quando perde?
- Sinto muita falta.
- Não generalize! Eu, por exemplo, dou valor quando tenho.
- E quando perde?
- Sinto muita falta.
2 de junho de 2008
Dar um tempo
- Não acha que a gente deve dar um tempo?
- Eu não.
- Mas por que?
- Sou egoísta com o tempo. Quero o meu inteiro, por completo e muito bem aproveitado!
- Eu não.
- Mas por que?
- Sou egoísta com o tempo. Quero o meu inteiro, por completo e muito bem aproveitado!
1 de junho de 2008
Livro sem capa
Hoje sinto-me assim
Um livro sem capa
Páginas desgastadas
Amareladas, amassadas
Jogadas no lixo
Um livro sem capa
Páginas desgastadas
Amareladas, amassadas
Jogadas no lixo
-
O triste retrato da cidade enlouquecida a ambulância detida no descaso do tráfego
-
Tal qual a nata que era como se julgava ela não se misturava Com ares um tanto blasé apenas flutuava, pomposa sentindo-se a dona do lago
-
No centro do auditório, a justiça permanece sentada e vendada, enquanto o apresentador aponta para um político corrupto, depois para um ladr...