27 de fevereiro de 2008

Intenção

Ela chegou chorando, nervosa. Ofereci meu ombro, ela aceitou.

Ofereceu-me a boca, eu aceitei. Não sei se por consolo ou por vingança.

26 de fevereiro de 2008

Transversais

Ela era intangível, mas o destino é uma incógnita.

A conversa paralela acabou na horizontal.

22 de fevereiro de 2008

Carta de um poeta puto, mas educado II

Me assolam a memória
Sua alma e seus desejos

O resto virou lembrança

Vagas lembranças
De seu corpo vago
Sua vaga bunda

21 de fevereiro de 2008

Fim dos dias do vilão

Engana-se quem pensa que, algum dia, ele se arrependeu.

Morreu sorrindo o filho da puta. Sabia que a mídia, a seu serviço, na terra ou no inferno, o transformaria em herói.

20 de fevereiro de 2008

Exemplo

- Vai, filho, igual da outra vez.

O garoto tremia. Mas, com o martelo na mão e com os olhos lacrimejando, obedeceu. Foram ambos para o pronto-socorro.

O pai, mais tarde, justificava-se à própria consciência. Repetia para si mesmo, em voz alta, que precisava do remédio.

19 de fevereiro de 2008

Segura

A garota, mais uma vez abandonada, queria saber como segurar um homem.

A avó, realista, deu a dica:

- Faça pompoarismo.

16 de fevereiro de 2008

Entre amigas

O sorriso de hiena se desfez. Embrenhou-se pelos cantos da parede, como se andasse pelo rodapé. Curvou-se para olhar pela quina da porta. Confirmou que a outra se afastava e, então, disse:

- Eu não disse? Essa vagabunda, falsa, nunca me enganou.

14 de fevereiro de 2008

11 de fevereiro de 2008

Carta de um poeta puto, mas educado

Você foi meu sol
Mas agora, tua luz
Faz doerem meus olhos
Inchados de vinho
E de lágrimas

Vá, dia

E não volte nunca mais

10 de fevereiro de 2008

Sermão

- Não faça com os outros aquilo que gostaria que fizessem contigo.

Ela sabia das perversões do filho, masoquista.

9 de fevereiro de 2008

Encantos

A saia bordada estava acompanhada por um bustiê tomara que caia, destes que fazia juz ao nome. Tinha a boca encoberta por um véu e uma cruz egípcia estrategicamente tatuada nas costas.

A cada troca de ritmo, trocava também os artefatos. Foram-se véus, espadas e címbalos nas pontas dos dedos. Deleitava-se em movimentos suaves, delicadamente fantasiosos.

Em nenhum momento ela retirou o véu que lhe cobria metade do rosto. Até porque, não precisava, bastavam aqueles olhos, olhos de Hórus.

8 de fevereiro de 2008

Final do verão

Ao final do verão, as cigarras invadem a cidade. Chegam queimadas pelo sol, trocando de pele.

As formigas, trabalhadoras, da cidade nunca saem. Para elas, o inverno é uma ameaça constante.

7 de fevereiro de 2008

Hora extra

Quando os filhos não estavam em casa, pediam para a diarista ficar até um pouco mais tarde.

Ela, solidária, passava pelo corredor fazendo barulho, como se pudesse entrar no quarto a qualquer momento. Conhecia bem as fantasias do patrão.

6 de fevereiro de 2008

5 de fevereiro de 2008

Impotente

Inevitavelmente, um dia ele chegava à conclusão de que não precisava delas e terminava tudo. Sempre acreditou que um dia precisaria de uma pessoa e que esta seria sua companheira pelo resto de seus dias.

Um dia ele descobriu que precisava de alguém, mas os dias que restavam seriam poucos. Poucos e solitários.

Estava tão debilitado, incapacitado, que ninguém precisava dele.

1 de fevereiro de 2008

Pérola aos porcos

Percebeu que nunca conseguiria sobreviver de sua arte. Trocou de corpo e de alma, de nome e de profissão.

Ainda assim, não deixou de lado suas letras, corrosivas. Tornou-se Pérola, prostituta.