Como sempre, ele estava falando sobre as coisas do mundo que ninguém há de entender, muito menos ele mesmo:
- Não é de hoje, mas cada dia piora. Isso me preocupa. Está na televisão, na internet, na faculdade, no papo de boteco, na lotérica ali da esquina. Na televisão, há cada vez mais programas para que resolvam alguma coisa na sua vida, te dar dinheiro, um novo rosto, um novo carro, uma nova casa e até um novo amor. E as pessoas já não sonham mais em conseguir as coisas, pensam que alguém ou algo podia resolver lhes dar.
- Desculpa, não ouvi direito o que você falou.
- Outro problema. Ninguém ouve, ninguém dá bola, ninguém respeita, ninguém cuida de ninguém. Esses dias mesmo eu fui ao hospital e me negaram atendimento porque tinha que ter passado primeiro por um ambulatório que ficava mais longe de casa do que o hospital.
- Não precisa ficar nervoso.
- Claro que não preciso, eu posso simplesmente não me importar. Ou eu posso tentar fazer algo, sei lá, mesmo que seja pouco. Quando eu cheguei em casa, enviei uma sugestão de pauta aos jornais para que façam uma matéria explicativa sobre o funcionamento do hospital. Para que os desavisados dirijam-se ao ambulatório e não diretamente ao hospital.
- E saiu a matéria?
- Não sei. Eu não leio jornal.
- Então que diferença faz?
- Para mim? Nenhuma! Mas deve ter alguém que lê o jornal e que pode ficar doente algum dia e daí vai lembrar de ir ao ambulatório primeiro.
- Então você pode estar salvando uma vida?
- Indiretamente eu posso estar colaborando.
- Parabéns...
- Por que o sarcasmo?
- Você e essas suas idéias utópicas de mudar o mundo.
- Eu disse que talvez eu ajude alguém, não que mudaria o mundo.
- Mudar alguém, algo, o mundo.
- São coisas diferentes.
- Mas a idéia é sempre mudar.
- Para melhor.
- E muda?
- Se você mudar muda.
- Muda o que?
- Primeiro você tem que mudar.
- Mas o que em mim tem que mudar?
- O seu jeito de pensar.
- E depois o que muda?
- A muda.
- A muda?
- A muda muda. Vira árvore, dá flores e frutos.
E por alguns minutos, com um sorriso no rosto e um novo brilho nos olhos, ela ficou muda.
Exercícios literários e outras peças mal acabadas que não são adequadas para o comércio como produtos culturais.
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O triste retrato da cidade enlouquecida a ambulância detida no descaso do tráfego
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Tal qual a nata que era como se julgava ela não se misturava Com ares um tanto blasé apenas flutuava, pomposa sentindo-se a dona do lago
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No centro do auditório, a justiça permanece sentada e vendada, enquanto o apresentador aponta para um político corrupto, depois para um ladr...
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