19 de agosto de 2011

Deficiência

“Deficiência - s. f. - Def.: toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função anatômica, fisiológica, psicológica ou intelectual.”

O carro passou por mim um tanto rápido - não que estivesse correndo, mas seguia em uma velocidade imprudente ao considerar que estávamos dentro do estacionamento de um mercado. Ao avistar uma vaga ali, tão perto da porta, o motorista não hesitou, engatou a ré e começou a manobrar o carro; Sendo a vaga bem ampla, a tarefa nem exigiu muito esforço.
Eu permaneci ali parado, observando - nem sequer atravessei a via. Não era a primeira vez que eu via aquela mesma cena: um sujeito apressado estacionando na vaga reservada para pessoas com deficiência; Mas dessa vez, fiquei tentado a observar todo o desenrolar, só para me certificar se o motorista, sozinho no carro, possuía ou não algum tipo de deficiência.
Enquanto eu seguia em direção à porta do mercado, o sujeito abriu a porta do carro, saiu, olhou por cima do ombro, na direção do guarda do mercado e, só então, fechou a porta e ligou o alarme. Aquele olhar de cumplicidade, seguido por um ar de impunidade, comprovou as minhas suspeitas: era mais um dos irresponsáveis, que provavelmente se diria com pressa ou desligado - quando todos sabem que o diagnóstico é o descaso.
As pessoas que entravam e saiam até chegaram a lançar alguns olhares de reprovação, tanto para ele quanto para o guarda do mercado, mas este, com medo de envolver-se em qualquer confusão e acabar por perder o emprego, fingiu-se de desentendido. Eu fiz o mesmo, olhei para ele e para o guarda, na esperança de que alguém tomasse uma atitude.
Vieram-me à cabeça todas as minhas omissões em situações similares, além de todos os olhares de cumplicidade e esboços de sorriso pela impunidade. Senti-me realmente um cúmplice daquelas atitudes, aceitando-as mudo - cego e surdo; Eu e todos os outros éramos incapazes de protestar.
Foi então que decidi que dessa vez não, eu não ia deixar passar em branco. Antes de abordar o sujeito, cheguei à conclusão de que ele também tinha uma deficiência; Após cutucá-lo pelas costas, avisei:
- Moço, essa vaga não é reservada para quem possuiu apenas deficiência de caráter.
As palmas evitaram uma reação agressiva. Quanto ao constrangimento, que o levou a entrar no carro e partir meio sem rumo, espero que tenha sido a melhor forma de reabilitação.









2011 - 9º Prêmio Paulo Setúbal - Secretaria Municipal de Cultura - Tatuí - SP;

Um comentário:

Anônimo disse...

Amigo Rodrigo, exatamente como eu esperava, a sua crônica "vale o quanto pesa" (refiro-me ao merecido prêmio). Continue nos agraciando com seus textos brilhantes! Abraço!
Ana Paula Scolari.

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