18 de novembro de 2018

Vale dos Ossos

No período da seca

as copas podres
de árvores mortas
emergem das águas plácidas

e a velha garça
retoma seu posto
inabalada


Mas pouco a pouco
a vida definha

em poças ralas
- espaçadas

os peixes debatem-se
desesperados

presas fáceis


O castigo, porém
logo chega aos pássaros
e também aos mamíferos

não poupa répteis
ou anfíbios

não perdoa sequer os insetos


apenas os vermes refestelam-se


em pouco tempo,
dos brados de outrora

restará apenas o silêncio
- calmaria

13 de outubro de 2018

Matéria Bruta

A coragem dos ignorantes
é o que nos leva adiante


são as asas
com penas coladas

- que nos alçam
aos planos de voo


e os fracassos
pautados pelo absurdo

- que expandem
as fronteiras da razão


Ao estilhaçar delírios
é que se lapidam sonhos

10 de junho de 2018

Transgressão

Despido
diante de olhos desalmados

aquele corpo esfacelado

o corpo não aceito

corpo ofensa


aquele não corpo
banido, proibido
censurado e interditado

Despido
diante de mãos gélidas

aquele corpo mutilado

o corpo ilícito
corpo delito

4 de abril de 2018

Sacrifícios

Seguimos cegamente
como discípulos fervorosos

de deuses insaciáveis


Já não bastam as reses
e a colheita

não há vida
que garanta
- por si só

algum tempo de bonança


As entidades clamam por mais

anseiam por nações
povos
comunidades

e tão logo as recebem
- em diligente oferenda

devoram-nas

arrotam

e exigem mais

4 de março de 2018

Triunfo

Não tenho a voz
embargada por emoções

não grito
não resisto

estou certo da derrota
tanto quanto da impermanência


- tenho em mim
a serenidade dos prostrados


E contento-me com pouco

cultivo revoltas
em fogo brando

e rumino ideias fixas
certezas impassíveis

como nuvens de tormenta
eles passarão

e nós ainda estaremos aqui

sobre as ruínas
- triunfantes

 

 

 

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1º lugar no Prêmio Poesia Agora - Verão 2020, organizado pela Editora Trevo.