Na ditadura do medo
Acaba-se preso
Por porte de esperança
Exercícios literários e outras peças mal acabadas que não são adequadas para o comércio como produtos culturais.
26 de junho de 2007
Incapacidade
Eram feitos um para o outro.
Ela muda. Ele cego.
Ela muda. Ele surdo.
Cansada de mudar sem ser vista ou ouvida, ela fez um enorme discurso de despedida. Ele mudo.
Ela muda. Ele cego.
Ela muda. Ele surdo.
Cansada de mudar sem ser vista ou ouvida, ela fez um enorme discurso de despedida. Ele mudo.
20 de junho de 2007
Inocência cruel
O pai e a filhinha de 5 anos no estádio. Dia de jogo, campeonato brasileiro, libertadores, campeonato regional, não importa.
Antes do início do jogo, entrou em campo um sujeito com uma perna amputada na altura do joelho, usando duas muletas e fazendo malabarismos com a bola. Batia balãozinho na coxa, peito, cabeça e não deixava a bola cair. Ao vê-lo, a garotinha apontou o dedo para ele e soltou sonoras gargalhadas.
- Olha, pai! Olha! - E continou rindo.
O pai - nesse momento constrangido pelo que ele mesmo classificou como inocência cruel - olhou para as pessoas na fileira de trás e deixou escapar um sorriso daqueles que diz: é uma criança, vocês sabem como é.
Depois do constrangimento, o pai virou-se para a filha - em uma tentativa frustrada de dar a ela uma lição aproveitando o exemplo - e disse:
- Filhinha, você viu aquele cara que esforçado. Mesmo com só uma perna ele consegue fazer tudo aquilo com bola. Imagine se ele tivesse as duas!
- Com as duas?
- É.
- Daí não é legal.
Antes do início do jogo, entrou em campo um sujeito com uma perna amputada na altura do joelho, usando duas muletas e fazendo malabarismos com a bola. Batia balãozinho na coxa, peito, cabeça e não deixava a bola cair. Ao vê-lo, a garotinha apontou o dedo para ele e soltou sonoras gargalhadas.
- Olha, pai! Olha! - E continou rindo.
O pai - nesse momento constrangido pelo que ele mesmo classificou como inocência cruel - olhou para as pessoas na fileira de trás e deixou escapar um sorriso daqueles que diz: é uma criança, vocês sabem como é.
Depois do constrangimento, o pai virou-se para a filha - em uma tentativa frustrada de dar a ela uma lição aproveitando o exemplo - e disse:
- Filhinha, você viu aquele cara que esforçado. Mesmo com só uma perna ele consegue fazer tudo aquilo com bola. Imagine se ele tivesse as duas!
- Com as duas?
- É.
- Daí não é legal.
8 de junho de 2007
Sinais
Dificilmente saia de casa. Além disso, nenhuma peculiaridade daquela tarde quente dava o mínimo sinal de que o dia seria uma exceção. Do sofá da sala de visitas, local onde costumamos receber a pequena parcela do mundo com a qual nos relacionamos, apenas observava o formato das nuvens e os diferentes tons de azul e cinza, além do branco.
- É claro!
Exclamou em voz alta, irrompendo o silêncio que havia tomado a sala. Sentiu o leve incômodo que nos persegue quando ainda não sabemos que ninguém é normal. Seguiu-se ao incômodo um diálogo mental no qual prometeu a si mesmo que nunca mais falaria a sós. No final do mesmo diálogo, que por pouco não virou discussão, já duvidou que conseguiria cumprir a promessa.
A frase que irrompeu o silêncio da sala pareceu ter acordado a cidade. Então o alarme de algum carro ou casa, sem cerimônias, entrou pela janela e veio sentar-se ao seu lado no sofá. O alarme tocando e o mal-estar se iniciando. Começou a pensar que havia algo de errado, não sabia o que, mas algo o incomodava, algo estava errado. Imaginou que devia ser dentro de seu corpo, sabia que devia se cuidar melhor, e lembrou-se da avó dizendo que tudo que fazemos com o corpo é cobrado depois. Foi até a estante e agarrou seu livro sobre medicina básica, mas de nada adiantou, porque não sabia nem ao certo o que incomodava, se era dor de cabeça, no estômago, ânsia de vômito ou dor no peito, não tinha nenhuma certeza além do mal-estar. A este ponto estava difícil respirar, a testa suava frio, as mãos se cruzavam e passavam constantemente pelos cabelos, da testa até a nuca, e os dentes se comprimiam como se disputassem o espaço dentro da boca.
Os primeiros ônibus e carros começaram a circular pelas ruas e o barulho emitido por eles parecia rasgar a pele daquele corpo tenso, que nesse momento encolhia-se em um canto do sofá enquanto o alarme continuava a tocar. As mãos lhe cobriam os ouvidos, mas os visitantes indesejados gritavam rente à sua face. Buzinas, freadas, batidas, tiros, o som do vizinho de cima e a televisão do de baixo, o canto estúpido do vizinho ao lado no chuveiro enquanto os filhos dele jogam o videogame no último volume, o caminhão do lixo, o carro da polícia, a ambulância, o profeta do apocalipse, as crianças do coral natalino.
Em meio ao caos interno, o telefone tocando. Sempre é alguém querendo vender algo, sempre querem algo em troca por simples palavras. O telefone tocou, tremeu e implorou até cansar. Mas uma hora ele parou. Já era tarde, as visitas viram que era hora de ir embora, o silêncio tomou conta novamente. O corpo, antes encolhido, estirava-se pelo sofá, respirando com alívio e sem a tensão que se imprimira pelas horas que antecederam este momento. Agora a sós, pensou naquela tarde e, já esquecendo da promessa, disse a si mesmo:
- Esse mundo aqui dentro está muito perigoso. Amanhã eu prometo que vou passar o dia na praça.
Ninguém respondeu. Mas mesmo assim, dava para notar no rosto a descrença com a nova promessa.
- É claro!
Exclamou em voz alta, irrompendo o silêncio que havia tomado a sala. Sentiu o leve incômodo que nos persegue quando ainda não sabemos que ninguém é normal. Seguiu-se ao incômodo um diálogo mental no qual prometeu a si mesmo que nunca mais falaria a sós. No final do mesmo diálogo, que por pouco não virou discussão, já duvidou que conseguiria cumprir a promessa.
A frase que irrompeu o silêncio da sala pareceu ter acordado a cidade. Então o alarme de algum carro ou casa, sem cerimônias, entrou pela janela e veio sentar-se ao seu lado no sofá. O alarme tocando e o mal-estar se iniciando. Começou a pensar que havia algo de errado, não sabia o que, mas algo o incomodava, algo estava errado. Imaginou que devia ser dentro de seu corpo, sabia que devia se cuidar melhor, e lembrou-se da avó dizendo que tudo que fazemos com o corpo é cobrado depois. Foi até a estante e agarrou seu livro sobre medicina básica, mas de nada adiantou, porque não sabia nem ao certo o que incomodava, se era dor de cabeça, no estômago, ânsia de vômito ou dor no peito, não tinha nenhuma certeza além do mal-estar. A este ponto estava difícil respirar, a testa suava frio, as mãos se cruzavam e passavam constantemente pelos cabelos, da testa até a nuca, e os dentes se comprimiam como se disputassem o espaço dentro da boca.
Os primeiros ônibus e carros começaram a circular pelas ruas e o barulho emitido por eles parecia rasgar a pele daquele corpo tenso, que nesse momento encolhia-se em um canto do sofá enquanto o alarme continuava a tocar. As mãos lhe cobriam os ouvidos, mas os visitantes indesejados gritavam rente à sua face. Buzinas, freadas, batidas, tiros, o som do vizinho de cima e a televisão do de baixo, o canto estúpido do vizinho ao lado no chuveiro enquanto os filhos dele jogam o videogame no último volume, o caminhão do lixo, o carro da polícia, a ambulância, o profeta do apocalipse, as crianças do coral natalino.
Em meio ao caos interno, o telefone tocando. Sempre é alguém querendo vender algo, sempre querem algo em troca por simples palavras. O telefone tocou, tremeu e implorou até cansar. Mas uma hora ele parou. Já era tarde, as visitas viram que era hora de ir embora, o silêncio tomou conta novamente. O corpo, antes encolhido, estirava-se pelo sofá, respirando com alívio e sem a tensão que se imprimira pelas horas que antecederam este momento. Agora a sós, pensou naquela tarde e, já esquecendo da promessa, disse a si mesmo:
- Esse mundo aqui dentro está muito perigoso. Amanhã eu prometo que vou passar o dia na praça.
Ninguém respondeu. Mas mesmo assim, dava para notar no rosto a descrença com a nova promessa.
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O triste retrato da cidade enlouquecida a ambulância detida no descaso do tráfego
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Tal qual a nata que era como se julgava ela não se misturava Com ares um tanto blasé apenas flutuava, pomposa sentindo-se a dona do lago
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No centro do auditório, a justiça permanece sentada e vendada, enquanto o apresentador aponta para um político corrupto, depois para um ladr...